Chicão, filho de Cássia Eller: ‘Batalha das minhas mães é parte do que sou’

Francisco Ribeiro Eller — ou Chicão, para os íntimos, ou Chico Chico, seu nome artístico — acabou seguindo a mesma carreira da mãe, Cássia Eller, mas não acredita que a música esteja no seu DNA. Esse, na verdade, era seu plano B, depois de considerar opções como ser jogador de futebol e professor de Geografia. Há um mês, lançou seu terceiro álbum, “Onde?”, ao lado de Francisco Gil (sim, o neto do Gilberto), amizade que nasceu há um ano, mas que parece que vem de berço, tamanha sintonia da dupla.

Apesar de ter acompanhado a mãe em turnês ainda bebê e, mais tarde, protagonizado uma batalha histórica por sua guarda [em 2002, a Justiça brasileira reconheceu pela primeira vez a dupla maternidade ao conceder sua tutela a Maria Eugênia, companheira de Cássia Eller], o Chico de 27 anos vive quase como um anônimo: mora no bairro em que cresceu, Santa Teresa, no Rio, é pouco ativo nas redes sociais, raramente aparece fora dos palcos.

À Universa, ele compartilha lembranças de uma infância normal — banda na oitava série, beatlemania, passeios de bicicleta — e celebra a história de suas mães, Cássia e Maria Eugênia: “Admiro muito a batalha delas. Sem dúvida nenhuma é parte de quem eu sou, e tenho muito orgulho disso”.

UNIVERSA: Em “Ninguém”, você e o Fran Gil falam sobre o tempo parar, se esconder, e também falam de lar. Difícil não relacionar esses versos com um ano de pandemia e isolamento. De que forma esse período te influenciou?

Chico Chico: Quem trouxe esses versos foi o Fran. “Eu não vou deixar/Que o tempo se esconda pra mim/E enquanto ele corre enfim/Tudo possa voltar/Pro seu lugar”. Não estávamos falando sobre pandemia, mas duvido que qualquer criação feita neste momento não dialogue com esse contexto, é inevitável. Nunca imaginei que passaria um ano dentro de casa. Tá um saco, sendo sincero. Mas tem gente que tá morrendo, e são as mesmas pessoas que sempre morreram mais. Eu tenho minha vida, não passo necessidade, e tenho como lidar de uma maneira tranquila.

No clipe, vocês demonstram muito afeto um pelo outro: se tocam, se abraçam, dão as mãos, cenas que ainda carregam tabu entre homens heterossexuais. Que mensagem vocês transmitem ali?

A gente não refletiu sobre isso, que engraçado. Mas que bobeira, né? Somos duas pessoas que se gostam, por que não demonstrar afeto, se tocar? Com os devidos cuidados em relação ao vírus, claro, mas nem sei o que te responder, de tão normal que me parece. Mas a troca de afetos é necessária para a gente se entender nesse mundo.

Chico Chico, filho de Cássia Eller, e Francisco Gil, neto de Gilberto Gil lançaram juntos o álbum “Onde?” (Foto: Marina Zabenzi)

Acredita que o ambiente em que você cresceu, bastante cultural e progressista, contribuiu para que você tivesse esse olhar sobre o afeto?

Pode ser, mas não sei se é uma equação tão exata. Pessoas que não cresceram nesse contexto também conseguem ter esse mesmo olhar. Meus amigos todos são assim, minha família, minha mãe. É todo mundo de muito afeto. Acho que tem menos a ver com a forma como eu fui criado e mais a ver com o que eu quero para o mundo.

No álbum, vocês regravam músicas de Itamar Assumpção, Luiz Melodia e Gilberto Gil. Quais são suas principais referências musicais e que lugar Cássia Eller ocupa nesse imaginário?

Sou um beatlemaníaco por excelência. Parte daí toda a minha fascinação por músicas, discos. Passei anos baixando discografias da internet, na época do mp3, e ouvindo basicamente Beatles e Tropicália. Mais tarde conheci o Itamar e minha vida virou de cabeça para baixo. Foi aí que eu falei: ‘Quero ser igual a esses caras’.

Eu demorei muito para conhecer a Cássia cantora. O meu primeiro fascínio com ela era de ir aos shows, ver a coisa toda acontecendo, sem me ligar propriamente na música. Ver os amigos dela, a galera toda reunida, a tensão antes do show, depois a cervejinha quando acaba, com todo mundo feliz, suado, gritando.

O ápice da confraternização. Essas são as minhas primeiras memórias dela. A música mesmo eu fui curtir um pouco mais velho, com 12, 13 anos. Sou suspeito óbvio, mas ela é uma das minhas cantoras preferidas.

Chico ainda bebê com as mães Cássia Eller e Maria Eugênia (Foto: Imagem retirada do site Universa)

Há pouco mais de um ano, você afirmou que não cabe a você levantar a bandeira do movimento LGBTQ+. Qual é o seu papel nessa discussão?

O que eu quis dizer ali é que não sou eu quem tem que dar as pautas. Meu papel é aplaudir e dar apoio, mas não ser um representante. Até porque não sou eu quem sofre com essas perseguições.

Eu sou homem, branco e heterossexual. Minhas mães sofreram, meus amigos homossexuais sofrem. Vejo tudo isso, mas não me cabe falar sem ter vivência.

No meu caso — e no caso das pessoas que não sofrem esse preconceito — a melhor forma de apoiar é pressionando pela aprovação de projetos de lei, e votando em pessoas que defendem essa população. Exercer em favor delas os direitos que podemos exercer enquanto cidadãos. Até porque, no fundo, é em favor de todos nós.

De que forma a luta contra a homofobia te atravessa?

Eu admiro muito a batalha das minhas mães. Sem dúvida nenhuma é parte de quem eu sou, e tenho muito orgulho disso. Elas se casaram. As duas são filhas de militares, e mesmo que mais tarde tenha ficado tudo bem, tiveram que enfrentar a resistência da família.

A gente tende a romantizar essas narrativas, de lutar pelo amor que tudo dá certo no final. Mas precisa mesmo ser uma guerra que se vence só no final? Não pode ser mais simples?

Elas ainda tiveram uma realidade muito própria, muito particular. Minha mãe [a Cássia] era uma pessoa conhecida, e mal ou bem isso gerou uma aceitação maior, inclusive para que a minha outra mãe [Eugênia] conseguisse a minha guarda na Justiça. Quão difícil seria se não fosse o espaço na mídia?

A música, na verdade, é um plano B: Chicão fez faculdade de Geografia e queria ser jogador de futebol (Foto: Imagem retirada do site Universa

Além de ser filho da Cássia, você é fisicamente muito parecido com ela e acabou seguindo a mesma carreira. A comparação entre vocês te incomoda?

Já fui muito chato com isso, a comparação já me incomodou. Era uma questão de insegurança, eu achava que isso podia virar a minha vida.

Eu me pareço com a Cássia mesmo, não dá para negar. Hoje eu tenho meu trabalho, minha história, e lido melhor com isso. Se eu visse o filho do Paul McCartney, ia querer saber tudo sobre o pai dele, é coisa de fã.

O único negócio é que a gente, como filho, recebe um amor que vem de outro lugar.

Você nega a ideia de que seguir a carreira musical seja um caminho natural para filhos de músicos? Se sentiu pressionado a seguir os passos da Cássia?

Essa questão do DNA me incomoda porque é muito determinista, como se dissesse que só filho de músico pode virar músico. Minha mãe é filha de militares, por exemplo. Existem influências, claro, mas não senti obrigação e nunca fui cobrado para seguir na música. Eu tive muitas opções. Minha mãe [Eugênia] me incentivou em tudo que eu quis fazer, e isso é um privilégio.

A música surgiu muito por conta do colégio em que eu estudei [o Centro Educacional Anísio Teixeira, no Rio de Janeiro], um lugar que sempre deu muito valor às expressões artísticas dos alunos. Tive banda desde a oitava série, mas a música, na verdade, é meu plano B. Eu queria mesmo ser jogador de futebol. Fiz Geografia na faculdade, por um tempo imaginei que seguiria por aí, e seria professor, mas tudo ficou no mundo das elucubrações.

Cassia morreu em em 2001, quando Chico tinha 8 anos. A partir daí Maria Eugênia entrou numa batalha judicial para garantir a guarda do filho do filho. (Foto: Arquivo Pessoal) 

Apesar de ter passado a infância nos bastidores dos shows da Cássia e, mais tarde, ter protagonizado uma batalha judicial histórica, você viveu a infância e a adolescência longe dos holofotes. Considera que teve uma infância normal?

Lembro muito de ficar muito assustado quando a minha mãe morreu [em 2001; Chico tinha 8 anos]. Por conta da Cássia ser famosa, a Eugênia também teve que se expor, coisa que ela nunca fez. Essa foi a única vez que eu pensei: “Tem alguma coisa acontecendo”.

Lembro que tinha jornalista na casa da minha tia, polícia na casa da minha mãe, xingamento aqui, xingamento ali. Mas, fora essa época, não teve assédio, perseguição.

A Eugênia foi mãe solteira, me criou sozinha. Quando minha mãe morreu, ela foi para a faculdade, estudou, se formou, trabalhou. Então sim, eu tive uma infância bem normal. Tenho lembranças ótimas de colégio, de jogar bola, de andar de bicicleta.

Você é pouco ativo nas redes sociais, dificilmente aparece fora dos palcos e o público sabe muito pouco sobre a sua vida. Quem é o Chicão hoje, aos 27 anos?

Pois é, não gosto de aparecer à toa. Até que você conseguiu arrancar bastante coisa de mim [ri]. Mas basicamente vivo aqui em Santa Teresa, que é o bairro da minha infância, onde eu conheço todo mundo. Tenho meus cachorros com quem eu passeio, minha plantinhas que eu rego, meu baseadinho que eu fumo, e meu violão que eu toco.

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