Chomksy: “Brasileiros não se revoltam, mas não significa que concordam”

POR NATHAN FERNANDES, do Galileu 

O linguista, filósofo e ativista político norte-americano Noam Chomsky interrompeu sua caminhada no Parque da Água Branca, em São Paulo, para ouvir os violeiros que tocavam “O Menino da Porteira”. Não deve ter entendido nada, mas tudo bem para o homem que revolucionou a linguística ao lançar o livro Estruturas Sintáticas, em 1957.

Para ele, a fala é uma habilidade inerente aos seres humanos — uma pessoa que foi criada entre macacos pode aprender a falar se recuperar o convívio social; ensinar um macaco, entretanto, seria impossível. Enquanto os estudos estruturalistas afirmavam que a língua era um fator externo, Chomsky dizia o contrário. Ao subverter essa ideia, criou um novo campo a ser explorado.

Mas não só. Ele também é conhecido por seu tom crítico e suas posições políticas bem determinadas — como é possível ler na entrevista a seguir. Em 2014, o intelectual casou-se com a brasileira Valéria Chomsky, a mulher responsável por tornar Machado de Assis um dos autores preferidos de Woody Allen e que ajudou a ajustar a tradução do título de Memórias Póstumas de Brás Cubas em inglês.

Em sua última estadia nas terras da esposa, em julho, o professor emérito do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), de 88 anos, comeu polpa de coco pela primeira vez e recebeu a GALILEU na casa da sogra, onde falou sobre seu legado e o recém-lançado livro Quem Manda no Mundo? (Editora Crítica).

No filme Capitão Fantástico, o personagem de Viggo Mortensen, que lhe rendeu indicação ao oscar de melhor ator neste ano, educa os filhos longe da civilização. Em vez do natal, eles comemoram o Dia de Noam Chomsky. eu Sempre quis saber se o senhor já viu esse filme.
Planejei ver algumas vezes, muita gente me falou dele, mas nunca vi.

O senhor acha que o mundo seria um lugar melhor se as pessoas comemorassem seu aniversário em vez do Natal?
Acho que não. As crianças se divertem muito mais no Natal (risos)…

A que tipo de filme gosta de assistir?
Fico sempre tão ocupado que quase não sobra tempo. Mas gosto de filmes franceses e italianos dos anos 1940 e 1950, e clássicos do Charles Chaplin. Valéria sempre me apresenta alguns também.

Vocês fazem maratonas de série juntos?
Fazemos o quê?

Maratona de série…
Ah, não, mas a gente gosta de assistir aos filmes do Woody Allen. Os nossos preferidos são Poderosa Afrodite e Noivo Neurótico, Noiva Nervosa. Já me encontrei algumas vezes com Allen, mas a Valéria é quem o conhece bem.

Perguntei sobre séries porque, quando o senhor fala de mudança climática, me lembra muito Game of Thrones, quando Jon Snow avisa da ameaça dos White Walkers, que podem destruir Westeros, mas as pessoas se preocupam mais com as disputas de poder.
Quanto a isso, infelizmente, os Estados Unidos estão agindo de forma criminosa. Enquanto todos estão tomando medidas para resolver o problema, mesmo que não sejam suficientes, os EUA se negam a participar e trabalham duro para deixar o problema muito mais sério. É uma situação surpreendente, o país mais poderoso da história tenta destruir o sistema e o mundo procura por alguém que possa salvá-lo: a China.

Seu último livro me deu a impressão de que a democracia é só uma desculpa para que gente poderosa deixe o mundo cada vez mais desigual. O senhor acredita na existência de uma democracia de verdade?
Não é uma questão de sim ou não, a democracia tem muitas dimensões. Veja a Europa Ocidental, por exemplo, que tem uma democracia capitalista. Sabemos que todo modelo desse tipo está fadado ao fracasso, porque ele tem inconsistências. Mas existem maneiras de moderar isso.

Os países europeus, principalmente os do norte, colocam várias medidas em ação. Por outro lado, nos anos recentes, a Europa tem ido por um caminho que visa minar seriamente a democracia: decisões importantes estão sendo tiradas das mãos da população.

A Troika é um desses casos: ela não teve nenhum efeito na verdadeira situação econômica da Grécia. São basicamente políticas que fazem com que os contribuintes europeus paguem aos bancos do norte, alemães e franceses, por terem realizado empréstimos arriscados ao país. Quando a população grega votou um referendo dizendo que não apoiava essa política, em 2015, a reação foi torná-la mais severa, punindo as pessoas por ousarem pensar que a democracia poderia existir — o que é um pouco irônico, já que a Grécia é o berço da democracia. Mas essa ironia passou quase sem ser notada na Europa.

Mas isso não é só na Grécia, né?
Isso acontece no mundo inteiro, esse desprezo pela democracia é o sonho dos neoliberais. Aqui no Brasil, é bastante óbvio. É só dar uma olhada na popularidade do seu presidente [Michel Temer], que está em 7% [5%, de acordo com pesquisa mais recente do Ibope]. Mesmo assim, suas medidas continuam seguindo em frente.

É como se o poder não estivesse com os políticos, mas com os banqueiros ou empresários?
Tecnicamente, o poder está nas mãos dos políticos, mas a questão é quem eles ouvem: os eleitores ou as corporações internacionais e os bancos?

O senhor acha possível existir uma democracia livre da interferência de pessoas que só visam seus interesses particulares?
Acho que a democracia é perfeitamente possível. Tanto que esse desprezo dos políticos por ela mostra que ela não só é possível como ameaça vários interesses. Veja os Estados Unidos, por exemplo. Na Convenção Constitucional [de 1787], o medo da democracia foi um tema que permeou todas as discussões. James Madison, o “Pai da Constituição”, descreveu o problema claramente, usando a Inglaterra como exemplo.

Ele imaginou que, se toda a população da Inglaterra pudesse votar, as pessoas aprovariam leis que minariam o poder e as propriedades dos mais ricos, e isso seria bem injusto. Para resolver a questão, a conclusão foi a de que eles deveriam, em suas palavras, “proteger a minoria rica da maioria”. É interessante que Madison tenha colocado exatamente o mesmo dilema que Aristóteles colocou.

O filósofo afirmou que, se existisse uma desigualdade significativa, a maioria pobre agiria para tirar as propriedades dos ricos e distribuí-las. Trata-se do mesmo problema, mas com uma solução diferente. Enquanto James Madison diz que devemos evitar a democracia, Aristóteles diz que devemos superar a desigualdade. Essa batalha perpassa por toda a nossa história. Sempre há um esforço popular para criar mais democracia. Existem muitas medidas que tentam lidar com as falhas do sistema democrático — algumas são bem-sucedidas, outras não, e essa batalha segue constantemente.

E isso está acontecendo no Brasil agora?
Sim, e de uma forma muito dramática, graças aos esforços do atual governo para minar as realizações de desenvolvimento social das décadas passadas. Precisamos ver como a população reagirá a isso. Se as medidas de Temer forem implantadas, o prejuízo para o Brasil será enorme. As pessoas aceitarão isso ou continuarão a lutar pela democracia da forma como lutaram na época da ditadura? Não sabemos.

O estranho é que os brasileiros parecem concordar com todo esse cenário, já que não estão fazendo nada em relação a isso…
Concordar? Não sei se concordam. Os brasileiros não se revoltam, mas isso não quer dizer que concordam. Escravos não concordavam em ser escravos.

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