Clareamento do espírito, a partir do branqueamento da pele – Seita é investigada por racismo e eugenia

Segundo a denúncia, a seita União do Vegetal (UDV) teria dentro de sua doutrina ensinamentos que sugerem o clareamento do espírito, a partir do branqueamento da pele

O historiador Marcelo Ribeiro Borges acusa a seita União do Vegetal (UDV) de disseminar uma doutrina que promove o racismo e a eugenia, relacionando a depuração da pele como purificação da alma. A denúncia foi feita ao Ministério Público Federal e encaminhada a Polícia Federal, que investiga o caso. “O que está sendo denunciado é a existência de uma doutrina que apregoou o racismo no Brasil, que apregoou a superioridade da raça branca e a inferioridade dos povos e culturas de origem indígena e africana. Então, o que nos solicitamos ao Ministério Público Federal é a investigação sobre a existência dessa doutrina e a reflexão se é legítimo ou não existir esse tipo de organização”, argumenta o pesquisador.

Marcelo Borges, que é adepto ao chá do Santo Daime, diz ter tido acesso a União do Vegetal (UDV) durante a pesquisa para escrever um livro sobre a Ayahuasca – erva usada para fazer o chá do Santo Daime -, no norte do Brasil. O historiador relata que tomou conhecimento dos ensinamentos racistas em 2003, quando foi convidado a participar de uma sessão com mestres e conselheiros da seita. “Em 2003 e 2004 pude conhecer a UDV, na sua fonte, no estado de Rondônia, Porto Velho e no Acre. A partir do momento que eu fiz parte de uma instância mais fechada dentro UDV, conhecido como corpo instrutivo, ou sessão instrutiva, eu recebi diretamente a orientação por parte de mestres e conselheiros sobre o princípio de clareamento do espírito a partir do branqueamento da pele” explica Marcelo.

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Marcelo Borges, historiador: O que está sendo denunciado é a existência de uma doutrina que apregoou o racismo no Brasil, que apregoou a superioridade da raça branca e a inferioridade dos povos e culturas de origem indígena e africana. Foto: Gerliézer Paulo / Portal 730

O pesquisador afirma ter ouvido e presenciado uma série de depoimentos que confirmariam o racismo, inclusive, uma gravação em áudio dos pioneiros da UDV, conhecido como conselho da recordação, que também afirmariam a história.

Marcelo foi um dos associados ao núcleo Rei Inca, que funciona em uma Chácara, em Aparecida de Goiânia. De acordo com ele, aqui no Estado também existem possíveis vítimas da seita. “A partir da minha própria experiência, pessoas que foram vítimas daqueles que promovem o aliciamento e a disseminação da doutrina racista. O ponto central que fique claro é que os representantes da UDV sejam ouvidos pela Polícia Federal”, conclui.

A denúncia chegou até o núcleo de investigação da Rádio 730 por meio de um vídeo, no qual o membro da Pastoral Afro-Achiropita, o teólogo Guilherme Botelho Júnior, usa a tribuna da Assembleia Legislativa de São Paulo para alertar sobre o possível crime. Ele citou trechos do livro a “História da Criação” que fazem menção a um possível crime de racismo e eugenia. O livro foi escrito pelo fundador da seita União do Vegetal conhecido por mestre Gabriel.

Defesa UDV
O jornalismo da Rede Clube de Comunicação procurou por representantes da União do Vegetal, em Aparecida de Goiânia, mas apenas o zelador estava na Chácara. Por telefone, o mestre Iran Medeiros Moreira, como é chamado dentro do núcleo Rei Inca, diz que todos estão perplexos com as acusações. Explicou que a União do Vegetal prega a raça única, sem distinção de cor, crédulo ou nacionalidade, o que poderia derrubar o embasamento da denuncia. “Eu nunca ouvi isso. Agora, em junho, completam 20 anos que eu participo da União do Vegetal. Eu nunca ouvi isso, em nenhum momento dentro da nossa doutrina. É um absurdo dizer que a União do Vegetal ensina isso, quem está dizendo não sabe do que está falando, não conhece a nossa doutrina, não conhece os nossos valores”, disse o representante da seita.

Ainda em defesa da União do Vegetal, Iran argumentou que o fundador da seita era mestiço de negro, branco e índio e que os primeiros dirigentes também eram negros. Ainda de acordo com ele uma pessoa racista é considerada de pouca evolução espiritual. “Essa denúncia é absolutamente infundada. Eu mesmo jamais ficaria em um lugar que adota pratica de racismo ou discriminação, e muitas das pessoas da nossa irmandade são negras”. Iran Medeiros diz que dirigentes da União do Vegetal em Brasília, onde fica sede da UDV, já prestaram depoimento na Polícia Federal. Ele acrescenta que Marcelo Borges está sendo processado pela seita por calúnia, injúria e difamação, por ter um livro com acusações caluniosas contra a UDV.

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Arte: André Rezende

A discriminação racista é considerada crime pela Constituição Federal que apresenta diversas formas de punição para estes casos. O crime é investigado pela Polícia Federal porque representa o ódio ou aversão a todo um grupo. O racismo é um delito de ordem coletiva, que ataca não somente a vítima, mas todo o ideal de dignidade humana. É um crime considerado hediondo pela Carta Magna da República Federativa do Brasil.

Por e-mail, a Polícia Federal esclareceu que o pedido de instauração de inquérito foi feito pela procuradora Eliana Pires. O argumento central da representação baseia-se em um dos fundamentos da doutrina de que “A luz branca representa a bondade e a divindade, enquanto a preta, a malignidade”. A Polícia Federal já começou a ouvir os envolvidos, mas pode sugerir o arquivamento do inquérito, caso o historiador não apresente testemunhas que confirmem o crime. A PF acrescenta, que, se Marcelo Borges não comprovar a acusação, ele pode ser denunciado por possível prática de crime de denunciação caluniosa. A Polícia Federal tem o prazo de 90 dias para concluir o inquérito, prorrogáveis por mais 30. 

 

Fonte: Rádio 730

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