Cláudia Costin: “A educação no Brasil não ensina a pensar”

Coordenadora do Centro de Inovação em Políticas Educacionais afirma que, em educação, o Brasil está estagnado em um patamar ruim

Por Marcos de Aguiar Villas-Bôa, da Carta Capital 

Fabio Pozzebon/Agência Brasil

Uma das maiores especialistas do mundo em políticas educacionais, Cláudia Constin acumulou passagens pela secretaria municipal de Educação do Rio de Janeiro, de Cultura no Estado de São Paulo e ainda foi ministra da Administração e Reforma do Estado no governo de Fernando Henrique Cardoso.

Durante sua passagem pela pasta de Educação no Rio, o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) cresceu 22%. Ao sair da administração pública, tornou-se Diretora Global de Educação do Banco Mundial e, desde 2016, é professora visitante em Harvard.

Atualmente, coordena o Centro de Inovação em Políticas Educacionais (CEIP) na FGV do Rio de Janeiro.

Para Claudia Costin, é preciso foco no desenvolvimento de competências socio-emocionais, como empatia e liderança (Reprodução/Carta Capital )

Em entrevista à CartaCapital, Costin defendeu uma educação que foque no desenvolvimento de competências socio-emocionais, como empatia, liderança, iniciativa e resiliência, e que considere o contexto de cada aluno e no que se deseja deles no futuro. A educadora também sustenta que o Ideb é um bom índice, mas carece de complementação por outras avaliações.

Confira:

CartaCapital: As crianças brasileiras estão indo mais à escola, porém não estão aprendendo. O Ideb veio aumentando em diversos municípios nos últimos 10 anos. Por outro lado, o Brasil teve um resultado muito ruim no Pisa. Qual sua análise?

Cláudia Costin: No País, o Ideb vem aumentando consistentemente nos anos iniciais do Ensino Fundamental (dado baseado na Prova Brasil de 5º ano), mas está estagnado nos anos finais, segundo os dados da Prova Brasil do 9º ano, e estagnado em um patamar baixíssimo no Ensino Médio.

Então, como país, estamos com um Ideb inaceitavelmente baixo, sobretudo quando sai de cena o professor generalista, que dá aulas nos anos iniciais do Ensino Fundamental.

Alguns municípios conseguiram mudar esta situação, como é o caso de Sobral, no Ceará, mas o quadro geral do Brasil ainda é muito ruim.

Quando olhamos para o Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Alunos), o Brasil está na posição 63 entre 70 economias ou países. Falo “economias” pois alguns participaram como cidades ou conglomerados de cidades.

O Brasil melhorou no Pisa de 2012 em matemática – foi o país que mais melhorou nessa disciplina – e ficou na posição 58 entre 65 países. Em 2015, porém, sequer houve melhora. O país está estagnado num patamar muito ruim.

Nos resultados do Pisa de 2015, chama a atenção o fato de que o Brasil vai mal em várias competências na área de Ciências, por exemplo, em como pensar cientificamente e utilizar a teoria na solução de problemas práticos. Isso demonstra que falta algo importante no nosso processo de ensino e que, talvez, tenhamos batido no teto de vidro no processo de melhoria.

Nós não ensinamos a pensar.

No Brasil, quando se fala nas teorias de Paulo Freire, em ensinar a pensar criticamente ou a formar cidadãos críticos, os professores decodificam isso, muitas vezes, como ensinar a visão de mundo deles para o aluno.

Isso não é ensinar a pensar. Não tenho nada contra passar a visão do professor para o aluno, mas ensinar raciocínio crítico é ensinar a formular seus próprios juízos sobre os fatos, a raciocinar matematicamente, historicamente e cientificamente; é pesquisar evidências.

A escola no Brasil, via de regra, não tem isso no seu currículo.

CC: E especificamente sobre o Ideb?

CC: Obviamente, o Ideb não mede tudo – e nem deveria ser essa a proposta. O índice é como um termômetro que testa se a criança tem febre. Só que, depois disso, é preciso aprofundar a questão com outros instrumentos. Outra avaliação, o Pisa,  tem uma gama de instrumentos um pouco maior, mas tampouco mede tudo.

Li um relatório da [consultoria empresarial norte-americana] McKinsey muito interessante. Ele mostra que sistemas educacionais em diferentes estágios na sua evolução demandam um conjunto de intervenções e de políticas públicas diferentes. Se o país, estado ou município está num nível muito baixo, é preciso estruturar o processo de ensino num currículo muito claro, com materiais adequados para apoiar o professor de uma forma mais clara.

O relatório mostra que em economias como Xangai ou na Coréia do Sul, é importante  promover maior criatividade, fomentar o trabalho colaborativo entre os professores, dando mais autonomia a eles.

Em países ou cidades com menor aprendizagem, o foco deveria ser estruturar o processo de ensino, padronizar o material didático, enfatizar letramento e criar uma ação coordenada em todas as escolas do sistema.

No caso de Sobral, por exemplo, que tem o melhor resultado do país no Ideb de anos iniciais, é preciso pensar em como avançar a partir do ponto atual.

Talvez, seria o caso de tornar as aulas mais dialógicas, em que o professor engaje os alunos num processo de reflexão a partir do que está sendo ensinado, fortalecer o trabalho colaborativo entre os docentes e definir claramente que tipo de cidadão e profissional se quer formar na cidade.

E como formar para o mercado de trabalho? Em primeiro lugar, precisamos pensar em formar para o empreendedorismo. Isso demanda que os alunos enfrentem novas experiências e não tenham medo de errar.

O erro é uma grande oportunidade para se aprender. Se você quer, por outro lado, formar para empregabilidade, é importante definir claramente de que mercado estamos falando: o atual de Sobral ou arredores ou o que existirá na região quando esses jovens se formarem.

CC: Sobre ensinar o aluno a pensar, talvez se perca de vista na discussão da Escola sem Partido, para além dos dois polos de manter o ensino como está ou proibir que os professores expressem suas visões, inclusive com sanções, uma hipótese de orientar os educadores para que ensinem todos os temas, e especialmente aqueles com caráter político, por duas ou mais perspectivas, estimulando a empatia, o diálogo, a visão complexa etc. 

CC: Sou contra definir o processo pedagógico por lei. No próprio currículo, quando se estabelecem as competências a serem desenvolvidas e os conteúdos que garantam essas competências, deveriam existir orientações para os professores, estimulando a exposição de diferentes ângulos de leitura de uma mesma situação, e até promover debates entre os alunos.

Nesse processo, é, de fato, possível desenvolver empatia, aprender a ouvir a posição do outro e assim por diante.

Hoje postei nas redes sociais a frase “quem pensa diferente de mim não é meu inimigo”. Há diferentes maneiras de se ler uma questão, de se olhar para o problema, mesmo em história, em matemática.

Enfim, sou a favor de uma orientação para que os professores ensinem com diversas perspectivas, estimulando o indivíduo a pensar e a ser tolerante. Isso não significa que o docente não possa expor sua visão de mundo ao aluno, e sim que o ajude a pensar por si próprio.

CC:Voltando aos índices de avaliação, o que pode ser feito para se ter uma visão mais ampla da educação brasileira? 

CC: Os municípios deveriam ter uma avaliação diagnóstica no início do ano letivo para saber de onde o aluno está partindo no seu aprendizado. No Rio de Janeiro, incluímos uma avaliação diagnóstica antes de começar o processo de alfabetização.

Afinal, os alunos entram no 1o ano do Fundamental em estágios diferentes de letramento. Assim, pode-se verificar quanto o aluno conseguiu avançar e, o professor, é capaz de personalizar o processo de ensino, adequando-o às necessidades de cada um.

Uma avaliação diagnóstica é importante. E há o que se chama em educação de avaliação formativa, aquela feita, pelo próprio professor, ao longo do tempo, para ver onde exatamente há fraquezas que precisam ser superadas ou até se há alunos mais avançados, pois, se não houver atenção a isso, eles podem se entediar com o processo de ensino.

CC: Qual é o futuro da educação? 

CC: O futuro da educação será um processo de maior personalização. A tecnologia da informação vai apresentar grandes saídas para isso. Até meados do século XIX, os nobres estudavam com tutores, num contexto individualizado. Poucos estudavam à época. Depois, os países avançados decidiram massificar a educação, o que obrigou a construir escolas com salas de aula para muitos e a adotar um processo de ensino-aprendizagem em que todos aprendem a mesma coisa. Isso trouxe a vantagem de ampliar a escolaridade, mas perdeu-se a percepção de que cada criança e adolescente tem seu ritmo e suas dificuldades para aprender.

Temos que retomar as vantagens do processo de personalização, num contexto no qual todos possam ter acesso a isso. Com o advento das modernas tecnologias e com um professor sendo formado para ser um assegurador de aprendizagem, e não um mero fornecedor de aulas, é possível caminhar para isso. Mas, a tecnologia só funciona se for usada para apoiar o professor, não para substituí-lo.

Não creio que, para além das avaliações somativas, feitas pelos sistemas, e das formativas, organizadas pelo próprio professor ou pelos municípios, nós precisemos de outras. Precisamos incluir nos currículos as competências sócio emocionais ou habilidades para a vida, tais como empatia, garra, resiliência, autocontrole, abertura para novas experiências, e abordá-las nas escolas, de forma integrada às competências cognitivas.

CC: A senhora tem dito que há muitas teorias e perspectivas na educação, e que é preciso se ater mais a estudos científicos que as comprovem. Há vastos estudos comprovando que a prática da meditação molda positivamente o cérebro dos indivíduos. Os efeitos da prática em escolas têm sido ótimos. Seria o caso de aplicá-la nas escolas do Brasil?

CC: Sim, mas a meditação tem que ser incorporada no processo de ensino. Ela não pode entrar como uma nova disciplina. Tenho receio quando cada conteúdo novo se torna uma disciplina. Estamos vivendo essa crise, pois, entre outras coisas, o Brasil é o único país  no seu grau de desenvolvimento que tem, no ensino médio, só quatro horas de ensino em média, com 13 disciplinas, todas obrigatórias. Isso não pode dar certo.

Não deve ser o caso da meditação. Muitas escolas, em vez de punição para situações de indisciplina, adotam estratégias de meditação. Há um exemplo muito interessante aqui no Rio de Janeiro.

Por exemplo, após ser perguntada sobre a razão de os seus alunos conseguirem resultados tão surpreendentes e uniformes na avaliação do 1o ano e numa área tão complicada da cidade, uma das melhores professoras alfabetizadoras da rede me contou o seguinte: “Olha, as crianças chegam muito tensas pela manhã. Então, nós nos sentamos sobre a linha [a linha Montessoriana, um círculo pintado no chão em todas as escolas do Rio] e, primeiro, cada um conta uma coisa que o perturbou no dia anterior”.

Normalmente, eram relatos sobre o pai sendo preso, tiroteios e outras coisas muito graves. Ela continuou: “Depois a gente dá as mãos e fica em silêncio por um minuto”.

Eu percebi que, dentro das limitações, a professora claramente tinha introduzido a meditação na turma dela. Eles faziam a catarse, ou seja, punham para fora os problemas e depois meditavam. Essa se tornou a melhor turma de alfabetização daquele ano.

Esse fato demonstra que há, sim, um efeito positivo, mas não precisa haver uma disciplina de meditação. Os professores devem ser capacitados para usar a meditação como um recurso pedagógico. Se a carga horária for aumentada para, por exemplo, 7 horas de aula, dá para fazer um trabalho estruturado, um período em que há a meditação.

Ela poderia, inclusive, reduzir as expulsões de sala de aula, pois, muitas vezes, o aluno apenas está tenso ou é hiperativo.

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