Como a judicialização da política reduz a democracia, por Maria Luiza Tonelli

 

 

 

Como a democracia pode ser engessada pelo empoderamento do sistema judiciário e consequente judicialização da política é a pergunta que Maria Luiza Quaresma Tonelli tenta responder em sua tese de doutorado pela Universidade de São Paulo (USP). O conflito é contemporâneo e, na visão da especialista, “estamos percebendo que já alcançou patamares inimagináveis”.  A filósofa fala sobre o assunto ao portal da OAB do Rio de Janeiro. Abaixo, os principais pontos abordados durante a entrevista.

O caráter jurídico da Constituição de 1988Na avaliação de Maria Luiza Tonelli, a Constituição de 1988, documento que deveria conter os direitos e deveres da sociedade brasileira, foi de carta política da Nação a uma carta “exclusivamente jurídica”. “Isso significa que a soberania popular passa a ser tutelada pelo Poder Judiciário, cristalizando a ideia de que a legitimidade de qualquer democracia decorre dos tribunais constitucionais. Ora, decisões judiciais e decisões políticas são formas distintas de solução de conflitos. Por isso o tema da judicialização da política remete à tensão entre a democracia e o Estado de Direito”, diz.

A influência das condições sociais e o descrédito da políticaPara a filósofa, a judicialização da política é um problema político com várias causas, mas o principal é de caráter social. É nesses meio que o fenômeno encontra condições favoráveis à sua ocorrência. “Vivemos em uma sociedade hierarquizada e, em muitos aspectos, autoritária. Nossa cultura política ainda tem resquícios de conservadorismo. O Brasil foi o último país do continente americano a abolir a escravidão. Passamos pela mais longa das ditaduras da América Latina. Não é por acaso que a sociedade brasileira se esconde por trás do mito da democracia racial e nem se escandaliza com as torturas ainda hoje praticadas nas delegacias e nas prisões”, destaca. Em uma sociedade com tais raízes, avalia Maria Luzia, fica fácil convencer as pessoas de que a solução para os problemas pode ser encontrada nos tribunais, já que a política é desacreditada.A defesa restritiva da moral na política

Maria Luiza analisa ainda como a parcela conservadora da sociedade e dos meios de comunicação discutem política sob a ótica restrita dos princípios éticos e morais, levantando unicamente esta bandeira e, consequentemente, deixando de lado ou impedindo o verdadeiro debate em torno de projetos, estruturas de poder e políticas públicas que poderiam fortalecer a democracia. “O debate sobre a política, reduzida ao problema da corrupção como questão exclusivamente moral, e não política, dá margem aos discursos demagógicos e à hipocrisia”, aponta.Segundo a filósofa, o “problema não é a defesa da ética na política, mas esta última avaliada com critérios exclusivamente morais. Há uma diferença entre a moral e a ética. Agir de forma estritamente moral exige apenas certo grau de obediência; agir eticamente exige pensamento crítico e responsabilidade. Obviamente que a política deve ser avaliada pelo critério moral; ela não é independente da moral dos homens e da ética pública, mas há critérios que são puramente políticos. (…) Daí que o critério da moral não pode ser o único, pois a moral nos diz o que não fazer, não o que fazer. Por isso, a moral pode ser utilizada por setores conservadores e pela mídia para paralisar a política, tanto para impedir o debate de temas polêmicos no Parlamento, como para satanizar o adversário, transformando-o em inimigo a ser eliminado”, frisa.

 

 

 

Fonte: Luis Nassif Online

 

 

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