Como Gana se tornou o destino mais procurado por turistas afro-americanos

Um novo movimento de visitação está criando vínculos ancestrais na África Ocidental.

Por Heather Greenwood Davis, Starlight Williams, do National Geographic

Em Anomabo, Gana, um homem faz ajustes no cajado de um jovem turista em Fort William, que, no passado, mantinha africanos escravizados antes de serem forçosamente levados para o outro lado do Atlântico.
FOTO DE JANE HAHN

NO VERÃO PASSADO em Gana, Tiffany Heard acompanhou seu guia até a cidade natal dele, Kumasi. Lá, em um pátio na segunda maior cidade do país, essa agente de viagens de 34 anos, nascida na Califórnia, EUA, aguardava para conhecer seu novo nome ao som de cantos e músicas entoados pelos moradores locais.

A cerimônia foi simples, mas profunda. O nome conecta os africanos ao lugar e à família; a ausência de um nome representa a ausência de uma história. Quando os africanos escravizados eram privados de seus nomes, eles eram afastados de seus ancestrais. Assim, o batismo de um afro-americano em Gana significa sua reinserção em uma comunidade.

Na companhia da rainha-mãe de Kumasi, de um chefe, de anciãos e de vários habitantes locais, Heard conheceu seu nome africano: Akua (“Quarta-feira”, o dia de seu nascimento) Konadu (o nome da família local escolhida para ela fazer parte). Cada um dos cinco outros membros de seu grupo receberam seu novo nome.

“Sem dúvida, foi um momento especial para todos”, diz Heard. “Para sentir que me reconectei, que voltei para casa.”

O que é o Ano do Retorno?
Essa reconexão era o que a presidente de Gana, Nana Akufo-Addo, tinha em mente quando anunciou que 2019 seria um “Ano de Retorno”. A iniciativa de turismo convidou negros de toda a diáspora a retornarem, em 2019, ao continente africano para marcar os 400 anos da saída dos navios negreiros das costas da África Ocidental que levaram seus ancestrais para as Américas.

Muitos desses navios saíram de onde hoje está localizado Gana. A região ficava no centro do comércio de negros destinados à escravidão. Os castelos construídos pelos portugueses ao longo da costa eram utilizados para prender os africanos capturados antes de enviá-los algemados e nus pelo Atlântico.

As coleções expostas no Museu Nacional de Gana, em Accra, incluem objetos históricos, peças em miçangas, instrumentos musicais, moedas, mapas e joias.
FOTO DE JANE HAHN

Para os afro-americanos, retornar a Gana é retornar para onde começaram as atrocidades que marcaram a história dos africanos escravizados levados para as Américas.

Mas a campanha de turismo do ano passado tocou em muitos outros pontos além da escravidão. Os turistas foram incentivados a participar dos desfiles do Dia da Independência de Gana, acompanhar um festival de parapente, assistir a documentários e explorar a arte de rua.

Sim, é possível visitar os castelos que serviram de cárcere aos africanos escravizados em Cape Coast (existem mais de duas dúzias deles), mas também é possível buscar conexões em um festival cultural pan-africano, dançar ao lado de artistas de reggae ou ouvir o trabalho de poetas locais contemporâneos.

As celebridades foram as primeiras: Idris Elba, Naomi Campbell, Boris Kodjoe e outros falaram à mídia norte-americana sobre a experiência transformadora de visitar o país. Logo, os feeds das redes sociais estavam repletos de fotos de norte-americanos comuns vestindo estampas tradicionais dos ashanti e bandanas modernas. Um show de fim de ano denominado Afrochella atraiu ainda mais atenção.

Os resultados da campanha de turismo foram impressionantes. A meta projetada de atrair 500 mil turistas estrangeiros foi alcançada e dobrou até o fim do ano. Entre os visitantes estava T. Michelle Curry, nascida em Detroit cuja empresa, “The Travel Africa Movement”, começou a organizar viagens especificamente para afro-americanos há dois anos. No ano passado, ela levou o seu primeiro grupo a Gana.

“Vi tanta beleza em todo o continente”, diz Curry. “As pessoas têm sido muito calorosas e acolhedoras, é simplesmente incrível.”

Além do Ano do Retorno
As chegadas internacionais a Gana aumentaram 18% no ano passado, de acordo com Barbara Oteng-Gyasi, Ministra do Turismo, Artes e Cultura. Em 2019, a receita gerada pelo turismo em Gana foi de quase US$ 1,87 bilhão. As viagens para Gana, especificamente por cidadãos norte-americanos, aumentaram 26% entre janeiro de 2019 e setembro de 2019, de acordo com o Ghana Immigration Services.

O Castelo de Cape Coast, Patrimônio Mundial da UNESCO, já foi utilizado para aprisionar africanos escravizados antes de serem embarcados em navios para perigosas travessias às Américas.
FOTO DE NATALIJA GORMALOVA, AFP/GETTY IMAGES

O objetivo agora é aproveitar esse momento. Oteng-Gyasi disse que o Ministério do Turismo pretende implementar um projeto focado na campanha, “Além do Ano do Retorno — Um Direito de Nascença”, durante um período de 10 anos, com o objetivo de atrair cerca de 4,3 milhões de turistas estrangeiros e aproximadamente US$ 8,3 bilhões do setor de turismo por ano até 2027.

A Associação de Turismo de Gana diz que outro objetivo é incentivar o investimento (o Marriott Hotels International está entre as redes que planejam construir novos hotéis no país) e até a cidadania para ajudar a melhorar a infraestrutura patrimonial do país. Um novo programa que dispensa certos requisitos de visto ajudará.

Em setembro de 2018, foi inaugurado um terminal de aeroporto de US$ 247 milhões — com capacidade para cinco milhões de passageiros por ano e potencial de expansão para até 6,5 milhões. Essa obra faz parte do plano do governo de construir um aeroporto em cada uma das 10 regiões do país.

E tem mais. O governo planeja desenvolver atrações destinadas a expandir as opções de turismo para além dos principais centros, envolvendo todo o país.

Embora nenhum outro país africano tenha aproveitado o sucesso do Ano do Retorno de Gana até agora, a região parece ter notado o movimento. Benin, por exemplo, anunciou uma “Maratona e Festival do Portão de Retorno” em parceria com o ator Djimon Hounsou para o fim de 2020.

Em busca das raízes da família
Muitos dos que visitaram Gana estão planejando voltar. Nicole Brewer, uma professora afro-americana que atualmente vive e trabalha no Omã, foi para Gana em janeiro passado depois que o teste de ancestralidade AncestryDNA indicou que sua herança genética era quase 20% ganense.

Historicamente, o teste de DNA traz resultados decepcionantes para os afro-americanos que tentam rastrear suas árvores genealógicas. Pelo fato de os africanos escravizados terem sido considerados mercadorias, muitas das características de identificação que os pesquisadores genealógicos usam — nomes completos, certidões de casamento, contagem de censos — não estão disponíveis.

Mas as coisas estão melhorando. A rede Ancestry.com de mais de 16 milhões de pessoas agora inclui nove regiões distintas na África. “À medida que mais pessoas fazem o teste, os dados são refinados e se tornam mais precisos, robustos e sutis”, diz Nicka Sewell-Smith, historiadora familiar da Ancestry.

Isso também significa que, com o tempo, os resultados podem mudar. Em um e-mail no fim do ano passado, logo após sua viagem a Gana, Brewer recebeu notícias de que ela não é tão ganense quanto pensava. Isso não a incomoda.

“No fim das contas, é irrelevante”, diz Brewer. Ela observou o impacto que a visita ao Castelo de Cape Coast teve nela. O castelo, como muitos centros de detenção de africanos escravizados, tem uma “Porta sem Retorno” — por meio da qual eles teriam dado seus últimos passos no continente antes de serem amontoados em porões de carga para viajarem acorrentados à América. Brewer observou que o local havia sido renomeado para “Porta do Retorno”.

“Conseguir voltar para casa, voltar pela mesma porta, algo que ninguém naquela época conseguiu fazer … Começo a chorar só de pensar nisso”, diz ela. “Quero que mais afro-americanos tenham a mesma experiência e se sintam tão poderosos.”

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