Eles são homens que se relacionam entre si, mas não se consideram gays. Grupo surgiu na primeira década dos anos 2000
Segundo as regras da comunidade, g0ys podem fazer ‘brincadeiras sacanas’ com outros homens, mas a penetração é proibida
RIO – Dois homens podem se abraçar, se beijar, se masturbar juntos e até praticar sexo oral eventualmente, mas isso não significa que eles são gays. Assim pensam os g0ys (escrito com um zero no lugar da letra “a”), um grupo surgido nos Estados Unidos em meados da primeira década dos anos 2000 e que vem expandindo sua filosofia pelo mundo, inclusive com muitos adeptos no Brasil. No Facebook, o grupo “Espaço g0y e afins” tem mais de 640 membros.
O site brasileiro “Heterogoy” deixa muito claro que os g0ys não são gays, e explica que “é um heterossexual mais liberal, que não faz sexo com homens, apenas faz brincadeiras sacanas, desde que nesses contatos não ocorra a penetração”, que os participantes do movimento acreditam ser “degradante”. “O termo g0y serve para designar homens que não praticam sexo anal com outros homens”, ressalta outro trecho do site brasileiro.
O grupo, porém, causa polêmica principalmente entre os integrantes do movimento LGBT. Alguns ativistas, como o antropólogo Luiz Mott, fundador do Grupo Gay da Bahia, acreditam que a criação de novas categorias de gênero acabam tirando o foco da luta pelos direitos dos homossexuais.
– Toda diversidade sexual deve ser respeitada, porém, em um país onde um gay ou travesti é assassinado a cada 21 horas, inventar trocentas novas identidades de gênero desestrutura o movimento afirmativo dos homossexuais, que ainda estão lutando pela sobrevivência – afirma Mott. – Acho interessante a exploração da sexualidade, mas prefiro estimular que os g0ys se afirmem como gays.
Para o antropólogo, acreditar que só é gay quem pratica sexo anal é um equívoco.
– A homossexualidade não é sinônimo de cópula anal. Alternativas como sexo oral ou masturbação recíproca fazem parte da pratica homoerótica desde a Grécia Antiga – explica o antropólogo, que não acredita na perpetuidade dos g0ys. – É um modismo, como as lesbian chics ou os HSH, sendo que essas microidentidades têm um componente homofóbico, pois preconceituosamente identificam o gay como um estereótipo.
Coordenador especial da Diversidade Sexual da Prefeitura do Rio, Carlos Tufvesson concorda com Mott e se mostra surpreso com a necessidade de se “catalogar” os desejos sexuais.
– Me espanta esse excesso de rótulos para a sexualidade. Isso, no fundo, tem raiz em um preconceito que liga o gay à feminilidade. Ou a penetração à algo feminino – Para mim, basta que sejam felizes e que curtam suas fantasias, pois, quem não dá vazão aos desejos, pode se tornar mais um homofóbico que sai por aí matando gays.
As regras são bastante claras para definir o pensamento deste grupo. Há alguns mandamentos simples: g0ys não namoram nem casam com outros g0ys, “têm no máximo uma amizade íntima”, que definem como um “bromance”. Eles namoram e se casam com mulheres e não podem se envolver com a comunidade LGBT, além de não permitirem qualquer associação com “imagens e clichês do mundo gay”.
Os sites sobre o movimento ainda trazem algumas referências históricas. O “Heterogoy” conta que o bromance mais famoso da história encontra-se registrado na Bíblia, no antigo testamento. “Trata-se de David e Jonátas, que, apesar de machões heterossexuais, beijavam-se, choravam juntos e a profunda amizade, a união e o amor entre os dois era tão intenso que mesmo naquela época foi reconhecido pela sociedade, como sendo superior ao amor que os dois possuíam pelas mulheres”. O site americano “G0ys.org” ainda diz que a relação afetiva natural entre os homens foi corrompida pelo movimento gay, que pratica o sexo anal. Esse comportamento não é tolerado pelos g0ys.
Existem, porém, alguns grupos de g0ys homossexuais, que só se relacionam com outros homens, sob a condição de nunca realizarem sexo com penetração. Segundo os sites que explicam o conceito, os g0ys homossexuais não se identificam com a comunidade gay nem se comportam “publicamente como sendo um deles”. Apesar de afirmarem que não são homofóbicos, os sites que falam sobre o movimento valorizam o “homem másculo” e usam expressões como “viadões” e “bichas pintosas” para se referirem à comunidade gay.
“Você já viu a abordagem da mídia sobre a comunidade gay e você não se identifica com aquela imagem e considera muitas das práticas repulsivas. A verdade é que você é um cara que realmente ama a masculinidade e aprecia esses traços em outros homens, enquanto, simultaneamente, considera ações que afeminam os homens nojentas e de mau gosto”, exemplifica o maior portal sobre o assunto, o “G0ys.org”.
Fonte: O Globo