A jornalista Semayat Oliveira, 33, cresceu ouvindo reflexões dos pais sobre a cor da pele. Seu próprio nome é resultado da dedicação deles para que ela se orgulhasse de ser uma mulher negra: em aramaico, uma língua etíope, Semayat quer dizer “sol ou céu do meio dia”. Na infância, a mãe tentava ensinar à filha o que havia aprendido com a avó: é preciso defender os filhos do racismo, mas conscientizá-los para que se protejam sozinhos.
Os ensinamentos dos pais geraram frutos. Hoje, Semayat usa a comunicação para defender as causas que julga importantes. Formada em Jornalismo pela Universidade Metodista, ela é uma das fundadoras do portal Nós Mulheres da Periferia, com o qual foi uma das vencedoras do Prêmio Mulher Imprensa deste ano. Escritora, Semayat também tem passagem pelo cinema como diretora e é co-apresentadora do podcast Mano a Mano, conduzido pelo rapper Mano Brown. Com toda sua bagagem, ela será a apresentadora de “Origens: as histórias que nos trouxeram aqui”, evento promovido por Ecoa, na próxima terça-feira (18) a partir das 14h.
Uma família preta
Nascida em Presidente Prudente, no interior do estado de São Paulo, Semayat transitou por diversas cidades do Brasil, até que os pais, Maria Lúcia da Silva e Carlos Alberto de Oliveira, se fixassem no Jardim Miriam, Americanópolis, na periferia da capital paulista, com ela e a irmã, Kuntuala Silva e Oliveira, 37.
Os pais eram comerciantes e visitavam várias cidades para vender as peças produzidas pela marca familiar Kekerê Negrarte. Eles também aproveitavam viagens de trabalho para frequentar eventos promovidos pelos movimentos negros na época. “Nasci de uma família que, além de consciência racial, agia para combater o racismo em várias instâncias”, conta.
Meus pais conseguiram construir espaços de segurança para eu ser uma jovem. Também nos alertaram sobre a importância de reagir e sempre deixaram muito explícito para nós qual era a condição racial a que as pessoas pretas estão submetidas no Brasil. Mas isso era feito com muito carinho e com muita ação também
SEMAYAT OLIVEIRA, JORNALISTA
Na infância, a jornalista aprendeu a ser questionadora. Foram várias as vezes em que questionou atitudes de professores e situações na escola. Para se defender de ofensas racistas que às vezes ouvia de garotos na escola, ela conta que já chegou a “sair na mão” com alguns deles, o que sempre levava os pais a procurarem a escola para que tomassem providências. “Meus pais nos fizeram crianças mais atentas e combativas em relação ao racismo, mas isso também não nos protegeu de todos os danos que esse trauma causa”, comenta. “Podíamos até responder e resistir, mas doía igual”.
Juntando os tios, tias e primos, a família é numerosa e está sempre junta. Fruto também da avó materna, Gabriela Pereira da Silva, falecida em abril de 2015 que, em suas palavras, era “uma catalisadora de pessoas”, sempre rodeada de gente, seja em casa ou no bairro. “É uma família de muito carinho. As festas são sempre muito barulhentas, com muito samba, muita energia”, cita.
Neste ano, Origens vai falar sobre família como o ponto de partida das conversas com os convidados, que trarão histórias e experiências que tiveram ao longo da vida, sobretudo na questão racial e ancestral. O assunto, para Semayat, coloca a questão sobre a ancestralidade na discussão sobre qual o lugar que hoje se quer ocupar na sociedade.
Temos referências de muita dor, mas transformamos isso em sobrevivência por aqui. Tenho muita noção de que os meus bisavós e avós passaram nessa terra, e isso diz muita coisa sobre o que sou hoje
SEMAYAT OLIVEIRA, JORNALISTA
No cinema, Semayat foi co-diretora do curta Nós, Carolinas (2017), além de pesquisadora e roteirista de Quem te penteia (2018), e diretora do documentário Na Disciplina: samba e cidadania (2019). Também escritora, ela foi uma das autoras do livro Heroínas Desta História: Mulheres em busca de justiça por familiares mortos pela ditadura.
Segundo ela, é com o trabalho que ela busca colaborar para que as próximas gerações de jovens desfrutem de melhores condições de existência, apesar do racismo e das condições sociais ainda impostas aos negros. “Tenho esse lance de carregar o bastão um pouco mais adiante para que os meus filhos, que eu ainda quero ter, consigam pegar de um outro ponto de partida a história e, assim, acabem movendo outras famílias negras”, conclui.