- Indígenas são usados como símbolos, pois suas vozes são ignoradas em decisões cruciais
- Menos de 1% do financiamento climático global é destinado diretamente às comunidades indígenas
A COP30, pela primeira vez na amazônia, foi marcada por profundo contraste: de um lado, discursos oficiais celebrando “maior participação indígena da história” e anúncios de políticas governamentais; de outro, a indignação e o ceticismo de líderes indígenas, que denunciam a falta de uma voz real e de respeito a seus territórios. A perspectiva indígena sobre a conferência revela um abismo entre a reconhecimento formal de seu papel e a efetiva implementação de seus direitos.
A imagem do povo munduruku bloqueando a entrada da Zona Azul resume o sentimento de exclusão. A crítica era clara: projetos de grande impacto, como o Plano Nacional de Hidrovias, que afeta os rios Tapajós, Madeira e Tocantins, avançam sobre seus territórios sem consulta prévia, ferindo o seu direito.

Essa ação não foi isolada. A percepção geral é que suas imagens são usadas apenas simbolicamente, mas suas vozes são ignoradas em decisões cruciais. Embora o governo brasileiro tenha se esforçado para viabilizar uma participação recorde, líderes indígenas argumentam que quantidade não se traduz em poder de decisão.
Juliana Kerexu Guarani criticou a abordagem que reduz povos indígenas a elementos culturais: “A participação dos povos indígenas em uma COP não é apenas mostrar nossas pinturas, nossos cocares.”
Líderes como Ruth Alipaz, da Bolívia, não têm expectativas: “Em 30 anos não houve capacidade de fazer mudanças substanciais… Esta COP30 é mais uma versão da mentira”.
Enquanto na COP o governo anunciava a demarcação de algumas terras indígenas, comunidades relataram que processos de demarcação iniciados, como o do povo guarani kaiowá, estão paralisados. Essa contradição ilustra a desconexão entre a publicidade em eventos globais e a burocracia e entraves políticos enfrentados no dia a dia.
A própria transição energética global, frequentemente sugerida como solução, é vista com cautela. Líderes alertam que a demanda por minerais para energias “limpas” pode repetir antigos padrões de exploração, criando novas “zonas de sacrifício” em terras indígenas.
Muito além de críticas, os povos indígenas apresentam propostas concretas, baseadas em conhecimentos ancestrais e em pilares essenciais.
Financiamento direto: hoje, menos de 1% do financiamento climático global é destinado às comunidades indígenas. Proteção territorial: demarcação de terras não é só justiça histórica, é a mais eficaz estratégia de mitigação disponível. Reconhecimento do conhecimento tradicional: propomos modelos alternativos de relacionamento com a natureza, como o “kawsak sacha” (selva viva) do povo kichwa de sarayaku, que vê a natureza como sujeito consciente de direitos, oferecendo uma perspectiva diferente sobre sustentabilidade.
Se a COP30 não será lembrada pelos anúncios feitos nos pavilhões, será pela clareza e pela força com que seus povos denunciaram as estruturas de poder que os mantêm à margem das decisões que mais afetam suas vidas e territórios. O sucesso futuro das conferências climáticas não será medido pelo número de indígenas presentes, mas pela sua capacidade de “reflorestar as mentes” e de transformar suas demandas por terra, voz, voto e financiamento em ações concretas e irreversíveis.
Sem isso, o risco é que as COPs continuem sendo, nas palavras daquela liderança, “mais uma versão da mentira”.
Txai Suruí – Coordenadora da Associação de Defesa Etnoambiental – Kanindé