Copeira de Haddad quer largar crack e sonha ser cozinheira de navio

Ana Cristina Pereira é uma dos 6 dependentes que trabalham na Prefeitura.
Projeto ‘Braços Abertos’ oferece abrigo e emprego para usuários de crack.

Por: Lívia Machado

Lasanha e bife à parmegiana são as preferências gastronômicas de Ana Cristina Pereira de Deus. A nova copeira do gabinete da Prefeitura sorri ao lembrar o quanto gosta de cozinhar. E diz que deseja, um dia, elaborar os dois pratos em alto mar. “Meu sonho é ser cozinheira de bordo, cozinhar em um navio.”

Ana faz parte do grupo de dependentes químicos atendido pelo programa “Braços Abertos”, uma tentativa da gestão municipal de combater o uso de drogas na região da Cracrolândia. Grávida de três meses, aos 42 anos, ela já é mãe de cinco – dois meninos gêmeos, de 23 anos, duas meninas, também gêmeas, de 20 anos e uma caçula, de seis anos – e avó de dois.

A gestante é uma dos seis usuários indicados pela ONG Brasil Gigante, parceira do programa, para trabalhar na Prefeitura. Ela diz que foi escolhida por ter segundo grau e estar cadastrada no projeto desde o início.

Há mais de uma semana, Ana Cristina serve café e água, das 9h às 17h, no gabinete de Fernando Haddad. Os primeiros dias, segundo ela, foram tensos. “Fiquei nervosa. Nada, nada é uma autoridade, né? Mas ele [Haddad] é gente fina. Agora é meu amigo”. Entretanto, confessa que não gostou da decoração do novo local de trabalho. “Meio mórbido [o gabinete]”, opina.

Ela saiu de Santos, litoral paulista, para viver em São Paulo. Questionada sobre as razões de tal mudança, Ana resume a resposta: “É uma longa história, não quero falar sobre isso.” Há um ano, morava em um barraco na Rua Helvétia, no Centro, até ser levada para um dos hotéis que dá suporte ao programa municipal. Hoje vive como hóspede em um quarto-casa, munido de “colchão na cama e chuveiro quente”, ao lado do parceiro, Alecssandro, de 36 anos.

Segundo o rapaz, o namoro aconteceu “no fluxo”, gíria usada para se referir à rua. Juntos há quatro meses, eles fazem planos para deixar o vício, e cuidar da saúde. Nesta quarta-feira (29), a reportagem do G1 acompanhou o casal em uma vista ao dentista. Ana foi a uma consulta para iniciar o tratamento. Alecssandro cobrou o médico, ao encontrá-lo no correr do posto de saúde: “Doutor, quando vai ser minha vez?”.
O rapaz trabalha na manutenção dos hotéis que apoiam o “Braços Abertos”. Nascido no Brooklin, Zona Sul de São Paulo, “mas criado no miolo”, pai de quatro filhos, ele diz que a família nunca o abandonou. “Foi uma escolha minha. Já tive passagem pela droga. Só não usava ‘baque'” – o termo é utilizado para se referir à drogas injetáveis. Agora, sonha em ter uma empresa própria. “Quero estruturar minha vida. Dar uma condição melhor para os meus outros filhos, montar uma empresa de manutenção. Inclusive, meu pai já tem uma. E está no mercado há 35 anos.”

Com o primeiro pagamento recebido, o casal conquistou um ventilador, material de limpeza e “coisas de primeira necessidade”. No próximo, planejam equipar a casa nova. O que desejam comprar? “Nossa, tem várias coisas. Roupa de cama, prato, copo, talher, coisas de casal”, responde Ana.

Balanço
Desde que começou, o programa “Braços Abertos” já cadastrou 386 pessoas – dados atualizados na última terça-feira (28). A quantia é próxima das 400 vagas disponibilizadas pela Prefeitura – número de quartos disponíveis nos hotéis da região que firmaram parceria.

Segundo a secretária de Assistência Social, Luciana Temer, houve um “efeito colateral interessante para a assistência social”, com procura de pessoas que não eram da região da Cracolândia ou usuários de drogas. Foram encaminhados para outros equipamentos de assistência social 349 homens e 24 mulheres. “Explicamos que não era o caso de inserção, até por que não eram usuários de drogas”, afirmou a secretária.

As ações de desmonte de barracos ocorreram entre 14 e 15 de janeiro. No dia 16, os usuários começaram a trabalhar. O balanço divulgado pela prefeitura considera o período entre os dias 17 e 27. No período, a Polícia Militar prendeu 25 pessoas na região.
O programa consiste em pagar R$ 15 por dia trabalhado aos usuários por trabalhos de zeladoria. Futuramente, elas farão cursos de habilidades específicas que já possuem por atividades que desenvolviam antes de se tornar usuárias de drogas.

Fonte: G1

 

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