Coragem civil contra o racismo: “pra ti virar gente vai ter de descer da árvore.” Uma mulher que reage no sul do Brasil

Elas são jovens, viajam pelo Brasil e o mundo, são senhoras de si. São livres, estudadas, têm emprego, são jovens, são mães, são gente como qualquer um, cheias de curiosidades e amor para conhecer os continentes.
Mas estas jovens são negras e brasileiras. Não podem viajar nos bancos da frente de nosso país.

No Mamapress

Ora topam com delegadas, que acham que toda esta aparência linda e títulos acadêmicos nacionais e internacionais são uma ofensa às sus vidas de provincianas, e as chamam de mentirosas. Ora esbarram com truscos trogloditas que gostariam de vê-las penduradas nas árvores, ou  numa corrente em seus quintais.

A vida destas jovens negras brasileiras não está fácil. O muro cada vez mais visível do Apartheid se levanta por onde passam no Brasil Continental.

São parecidas com minhas irmãs, filhas e sobrinhas. Vou dar meu braço a elas. Vamos quebrar estes muros e botar na cadeia quem tiver a veleidade de ser racista.

E não me venham com estas histórias que racismo é uma questão de mais educação. Educados tivemos no mundo e no Brasil, Goebells, doutores escravocratas em Campos e no Mississipi, filósofos franceses como Gobineau, e escritores consagrados como Monteiro Lobato no Brasil.

Ao racista a lei, ao que comete ato racista a lei mais dura possível para que termine de vez este crime continuado.

Educação sim. Educação cidadã e tomada de consciência de seus direitos, para que as pessoas discriminadas e vítimas do racismo não continuem caladas.

A “Unidiversidade” contra o racismo já inaugurou suas portas. Cada cidadão e cidadã brasileira que tiver consciência antirracista, pode ser desde já professor decano/a. Os únicos títulos exigigidos são o de solidariedade para com o próximo e coragem civil.
O goleiro Aranha, Valdicéia França, mãe de Mirian França e agora Deusa Maria Souza já estão dando suas aulas nesta escola antirracista aberta a todos e todas.

Marcos Romão- Editor da Mamapress, e coordenador da Rede Radio Mamaterra e do Sos Racismo Brasil

por Deusa Maria Souza

Eu, Deusa Maria de Sousa, 42 anos, mãe, Doutora em História, nordestina, NÃO SOU MACACA!

“Pra ti virar gente vai ter de descer da árvore.”

Foi com essa frase racista de ódio e superioridade racial desmedida que fui agredida no final da manhã de ontem ao chegar na rodoviária da cidade de Capão da Canoa, litoral do Rio Grande do Sul e que levou eu e um homem branco até a delegacia da mesma cidade e terminou com seu indiciamento e a prisao dele em flagrante pelo crime de injúria qualificada.

Os fatos:

Comprei uma passagem para embarcar para Capão da Canoa depois de viagem internacional de 15 dias entre África e Europa. Cheguei em Porto Alegre na noite anterior, dormi e segui depois das 9h da manhã para embarcar no ônibus direto Porto Alegre-Capão da Canoa e reencontrar meus amigos e meu filho Nícolas, que não levei junto a mim na viagem internacional.

Comprei o assento número 2 do ônibus, ou seja, primeira poltrona do lado esquerdo, logo atrás do motorista, para ter boa visão da estrada ensolarada que senti saudades.

Antes do ônibus partir, ainda no embarque e acomodação de bagagens, baixei meu assento por engano até a metade da capacidade do banco, quando fui surpreendida por uma ofensa moral de uma senhora que sentava atrás de mim, dizendo que eu não iria naquela viagem deitada no colo dela, e ainda que,  se eu quisesse dormi que trouxesse minha cama de casa.

Eu, delicadamente, fui explicá-la que o banco tem a capacidade de declinar e que se assim fosse meu desejo eu declinaria meu banco ate a capacidade total, foi naquele exato momento que ela (loira, de aparência de ascendência alemã) retrucou:

“Neste ônibus tu não vai deitar o banco, neste ônibus não vai deitar..”

madame-parks

Ao ouvir o insulto e arrogância dela eu declinei meu banco ao máximo, foi naquele momento que ela agarrou meus cabelo black power por trás e puxou com força minha cabeça para trás me xingando de negra, e eu na tentativa de me desvincilhar da agressão me feri e ralei no banco.

Naquele momento o caos tomou de conta dos passageiros, pessoas gritavam, ela me ofendia e seu companheiro dizia que eu tinha sido agressiva ao desafiá-la.

Chamei a Polícia e ela começou a dizer que no Brasil os negros tem mais direitos que os brancos. Ao ver que situação dela estava ruim, evadiu-se do ônibus sem eu soubesse de quem se tratava, deixando o marido no ônibus.

Resolvi que tentaria saber de quem se tratava ao chegar em Capão. Acionei a polícia que chegou em 5 minutos e fez um levantamento da situação. O caos continuava. Naquele momento eu só queria saber a identidade de agressora e tentei obter com o cunhado dela que tinha ido buscar o marido. O homem percebendo a quantidade de gente e a presença da polícia negou-se a dizer a identidade da agressora.

Foi ai que me dirigi ao companheiro ou marido do agressora, que então me insultou verbalmente na frente de várias testemunhas e policiais e finalizou dizendo:

“Pra ti virar gente vai ter de descer da árvore.”

nc3a3o-somos-macacos

Passei até as 4h da tarde de ontem da delegacia de Capão com meu filho e testemunhas:

“Perdi” 5 horas da minha vida com o fim de dar cabo à agressão racial sofrida. Perdi horas da minha vida e ganhei a satisfação de ver um agressor racial preso em flagrante por injúria e isso amig@s não tem preço que pague.

Seguirei no processo agora para processá-lo e sua companheira, agressora racial e física, pois eu e os negros nunca vivemos em árvores e temos atitude para combater o racismo da melhor maneira possível.

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