Corte do MEC pode parar aulas e afetar bolsas e contas de luz, dizem federais

Instituições criticam congelamento e temem danos a projetos acadêmicos; governo Bolsonaro minimiza e aponta motivação política em queixas

FONTEPor Paulo Saldaña, da Folha de S. Paulo
Estudantes fazem protesto contra cortes do governo federal na área da educação, em outubro de 2021 (Foto: Gabriel Cabral - 26.out.2021/Folhapress)

A decisão do governo Jair Bolsonaro (PL) de bloquear recursos da educação pode inviabilizar as aulas no segundo semestre em universidades federais, assim como a continuidade de pagamentos de assistência estudantil e a manutenção de serviços básicos, como água, luz, limpeza e segurança.

As instituições temem ainda impactos em projetos acadêmicos.

O governo congelou R$ 2,4 bilhões no orçamento do MEC (Ministério da Educação), o que atingiu atividades da pasta e das instituições federais de ensino. Nas universidades, a medida implica uma retirada acumulada de R$ 763 milhões. Já nos institutos de educação técnica e profissional, a perda é de R$ 300 milhões.

A Andifes, associação que agrega os reitores das universidades federais, prevê uma situação de colapso generalizado caso não haja revisão do corte. O governo limitou as movimentações de empenho até novembro e já estornou valores dos caixas das instituições na terça-feira (4), referentes a 5,8% do orçamento discricionário —ou seja, despesas de livre movimentação, sem levar em conta salários e transferências obrigatórias, por exemplo.

Não há certeza de que os valores serão liberados. O próprio decreto que definiu os congelamentos, de 30 de setembro, fala em “perspectiva de liberação” do dinheiro.

Segundo o presidente da Andifes, Ricardo Fonseca, o decreto causa assombro entre os dirigentes e, ainda que haja liberação em dezembro, isso não desfaz os impactos nos meses de outubro e novembro.

“Não existe mais gordura para queimar, nem carne, agora é cortar no osso”, disse, em entrevista na tarde desta quinta-feira (6). “Pode significar corte de bolsas, projetos de pesquisa, extensão, paralisação de atividades finalísticas, com eventual não retomada de aulas no segundo semestre. É uma situação trágica para os reitores.”

A situação pode variar por universidade, a depender de cada realidade orçamentária e de compromissos assumidos. “O que traduz mais claramente [a situação] é o fato de que as despesas mais básicas para as universidades neste momento, de modo generalizado, estão em risco, como pagamentos de contas de luz, água, contratos de limpeza e vigilância. Há perigo iminente de que muitos trabalhadores terceirizados possam perder seus empregos”, diz Fonseca.

Maior federal do país, a UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) divulgou nota em que afirma que o impacto desse bloqueio, de R$ 18 milhões na instituição, somado aos anteriores, deixa a instituição com o menor orçamento discricionário dos últimos dez anos.

As consequências poderão ser sentidas em toda a universidade, segundo a instituição. “Se o bloqueio não for revertido, provavelmente não teremos como continuar funcionando este ano”, declarou, por nota, o pró-reitor de Planejamento, Desenvolvimento e Finanças da UFRJ, Eduardo Raupp.

“Com esse último contingenciamento, não vai ser possível empenhar [reservar] as despesas de setembro nem parte das de outubro, o que antecipa os riscos de interrupção de serviços. Essa é a nossa grande preocupação neste momento.”

A UFLA (Universidade Federal de Lavras) também divulgou nota com fortes críticas à medida. A instituição menciona possíveis impactos nos preços do restaurante universitário, inviabilização de moradia estudantil, cortes no transporte interno e no custeio de bolsas. Até o retorno dos estudantes para as aulas do segundo semestre não é garantido.

“Estamos indignados. Não é possível que a universidade pública brasileira seja tratada dessa forma. Além da formação de novos profissionais para o mercado de trabalho, as universidades são responsáveis por produzir 95% de conhecimento nesse país, com foco na pesquisa e inovação. Isso é inadmissível”, ressaltou, por nota, o reitor da UFLA, João Chrysostomo de Resende Júnior.

O Conif, conselho que reúne os institutos técnicos federais, divulgou posicionamento em que aponta o estudante como o maior prejudicado, “pois os recursos da assistência estudantil são fundamentais para a sua permanência na instituição”.

O IFB (Instituto Federal de Brasília) prevê que, com o bloqueio, será obrigado a reduzir ainda mais a assistência estudantil, visitas técnicas e a compra de insumos. “Se o orçamento não for recomposto, em breve, é provável que tenhamos que reduzir o quadro de pessoal nas áreas de vigilância e limpeza, que possuem contratos reajustados pela inflação”, diz nota da instituição.

“Não conseguimos compreender a matemática de termos arrecadação recorde no país e ao mesmo tempo receber notícias de cortes e bloqueios de recursos para educação da população brasileira. Nenhuma nação do mundo se tornou independente sem investimentos em educação, ciência e tecnologia”, destaca no texto a reitora do IFB, Luciana Massukado.

CRÍTICAS TÊM MOTIVAÇÃO POLÍTICA, DIZ MINISTRO

O ministro da Educação, Victor Godoy Veiga, convocou uma entrevista nesta quinta-feira para minimizar a decisão do bloqueio, negar que tenha havido cortes e dizer que as queixas de universidades e institutos têm motivação política.

“Lamento ver algumas instituições que têm utilizado isso de maneira política”, disse o ministro, argumentando que o bloqueio não significa retirada definitiva do recurso previsto. “Não há corte, não há bloqueio, não há [risco de] paralisação [das atividades].”

Questionado sobre a declaração do ministro, o presidente da Andifes disse que tem uma boa relação com ele, mas discorda da acusação. “O que nós, reitores, estamos fazendo é pedir socorro para que haja uma política estabelecida para o ensino superior”, disse Ricardo Fonseca, que é reitor da Federal do Paraná.

Os R$ 2,4 bilhões bloqueados representam 11,4% da dotação atual de despesas discricionárias do ministério.

Trata-se de uma limitação imposta pela área econômica do governo Bolsonaro nos limites de movimentação e empenho das pastas —a mais afetada, mais uma vez, foi a da Educação. Na prática, o uso do dinheiro previsto no orçamento fica temporariamente congelado.

O ministro não respondeu, durante a entrevista, por que a área da educação tem sido a mais prejudicada durante o governo Bolsonaro quando há decisões de cortes e congelamentos.

O governo insiste que haverá a liberação em dezembro dos recursos agora bloqueados. De acordo com o ministro, a pasta se dispõe a atender universidades e instituições em situação mais delicada para liberar recursos extras.

O corte desta semana, que se soma a enxugamentos sistemáticos de dinheiro da educação desde 2019, tem causado desgaste ao governo às vésperas do segundo turno da eleição entre Bolsonaro e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Um decreto publicado pelo governo no dia 30 de setembro definiu os limites de movimentação de empenho do MEC e de outros ministérios. O ofício que chegou na quarta-feira às federais sacramenta o conteúdo do decreto.

Tanto o MEC quanto o Ministério da Economia têm afirmado que o bloqueio atual não significa corte por se tratar de uma limitação na movimentação, com chance de ser liberado em dezembro. “Cabe ao MEC avaliar suas dotações orçamentárias e, caso necessário, propor remanejamento de bloqueios entre elas visando a redução do impacto desses bloqueios nas políticas públicas a cargo do Ministério”, diz nota da Economia.

Os valores bloqueados seriam necessários para o cumprimento do teto de gastos. Já o valor cortado do MEC, sem previsão de ser reposto, chega a R$ 1,04 bilhão.

O MEC argumentou que, na média, as instituições federais de ensino teriam recursos disponíveis porque nem todo o orçamento foi empenhado e pago.

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