Credo e raça polarizam a Europa dos imigrantes

Fonte: Etni-cidade

 

Por Marco Aurélio Canônico, de Londres

 

O anúncio de que a Holanda – um dos países mais liberais da Europa – pretende criar uma lei para vetar o uso de burcas e véus islâmicos confirmou uma tendência crescente: os imigrantes, especialmente os muçulmanos, são cada vez menos bem-vindos no continente.

Em entrevista coletiva, Trevor Phillips, chefe da Comissão para a Igualdade Racial do governo britânico, antecipou uma pesquisa do instituto Ipsos/Mori mostrando que a imigração é a principal preocupação da população.

“É a primeira vez na história das pesquisas que isso acontece. Imigração e raça são as principais preocupações atuais, acima do crime, da economia e mesmo do terrorismo”, disse.
A enquete foi apresentada na abertura da Convenção Racial 2006, evento organizado pelo governo britânico reunindo especialistas europeus e muçulmanos para debater a questão que mobiliza a Europa: como formar sociedades coesas a partir de culturas distintas?

“Todas as evidências recentes mostram que estamos nos tornando uma sociedade cada vez mais polarizada pela identidade religiosa e de raça”, afirmou Phillips.
Para inúmeros governantes europeus, essa polarização e a segregação resultante são as causas do extremismo que leva a atentados terroristas – os bairros de grande concentração muçulmana seriam terreno fértil para os radicais amealharem apoio entre os jovens.
De modo semelhante, os campi universitários também estariam se tornando áreas propícias à radicalização muçulmana e, segundo reportagem do jornal “The Guardian”, o Departamento de Educação britânico tem planos de pedir a colaboração das universidades na identificação e delação de potenciais terroristas.

 

Tese derrubada
Mas um estudo da Universidade de Manchester mostrou que as tais “fábricas de terroristas” que existiriam nas áreas segregadas são um mito. “A pesquisa sugere que muçulmanos que vivem em grandes grupos não estão mais propícios a se envolverem em terrorismo. O perigo das áreas segregadas não é sustentado pelas evidências”, disse Ludi Simpson, co-autora do estudo.
Mesmo o raciocínio de que os terroristas surgem preferencialmente entre os muçulmanos não bate com os dados: das 27 pessoas condenadas por terrorismo no Reino Unido desde o 11 de Setembro, apenas nove eram muçulmanas.

Um informe publicado pela fundação alemã Bertelsmann mostrou que, apesar do número de atentados ter triplicado nos últimos cinco anos, apenas 26% deles podem ser atribuídos a grupos religiosos muçulmanos. Como as polêmicas em torno das vestimentas islâmicas em diversos países europeus deixaram claro, a culpa pela segregação está sendo jogada nas costas dos excluídos, os muçulmanos.
“A comunicação requer que ambos os lados vejam o rosto um do outro”, disse recentemente Jack Straw, líder dos trabalhistas britânicos na Câmara dos Comuns, a respeito do véu. “Em nossa sociedade, quando você não consegue “ler” o rosto de uma pessoa, isso é uma forma de separação.”

 

Racismo
A generalização do parlamentar trabalhista certamente não levou em conta situações como a de seu colega de partido David Blunkett, cego de nascença, mas, ainda assim, foi apoiada por mais da metade da população britânica, segundo pesquisa do “Guardian”.

“Isso é a continuação de anos de racismo crescente contra a comunidade islâmica, que passou a se intensificar depois do 11 de Setembro”, disse, em entrevista à Folha, Milena Buyum, coordenadora da Assembléia Nacional Contra o Racismo, do Reino Unido.

“Fico enojada de ver gente que não liga a mínima para a igualdade feminina brandir essa bandeira para atacar o islamismo”, completou.
Os governantes também são responsabilizados pela segregação. “Os imigrantes não têm a oportunidade de se integrar, eles ocupam posições de subordinação na sociedade: ficam com os piores empregos, não conseguem acesso à boa educação e moram em áreas segregadas”, disse o professor Stephen Castles, especialista da Universidade de Oxford em migração.

“A barreira para a ascensão social não é a religião ou cultura diferentes, é a discriminação e o racismo”, completou.

 

Matéria original: Credo e raça polarizam a Europa dos imigrantes

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