Fonte: Conjur –
por Fernando Porfirio –
Uma pesquisa feita pelo Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (Ceert) nos tribunais estaduais, federais e do Trabalho revela o crescimento de ações motivadas por racismo e intolerância religiosa. De acordo com o levantamento, foram identificados 1.011 julgamentos. Pesquisa divulgada em 1997 mostrou que, de 1951 e 1996, havia apenas nove ações na segunda instância da Justiça do país sobre racismo e intolerância religiosa.
O levantamento do Ceert foi apresentado durante o lançamento do site da entidade, que aconteceu nessa terça-feira (29/9), na sede da seccional paulista da OAB. A pesquisa de jurisprudência contemplou Tribunais de Justiça de 24 estados, Tribunais Regionais Federais e do Trabalho, o Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal.
A pesquisa chama a atenção para o crescente número de decisões na Justiça do Trabalho que reconhecem o dano moral decorrente de discriminação racial, bem como o assédio moral resultante desta. De acordo com o levantamento, no período pesquisado, o número de decisões trabalhista envolvendo racismo e intolerância religiosa chegou a 356.
Na área cível dos tribunais do país, a pesquisa registrou 336 casos. Na criminal, foram 202 decisões. Dentre os tribunais estaduais, de um total de 430 acórdãos, o que mais registra julgados com os dois temas é o do Rio Grande do Sul, com 141, seguido pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, com 66, Minas Gerais, com 52 casos, e São Paulo, com 25 julgamentos.
Nos Tribunais Regionais do Trabalho, cinco casos foram decididos na 2ª Região, que abrange a região metropolitana de São Paulo. Já nos trabalhistas, em primeiro lugar aparece o da 4ª Região (Rio Grande do Sul) com 68 decisões, seguido pela 12ª Região (Santa Catarina), com 62 casos, e a 15ª Região (Campinas), com 42.
“O número de processos vem aumentando nos últimos anos como reflexo do crescimento da consciência social sobre o problema do racismo”, explica o coordenador da pesquisa, o advogado e ex-secretário de Justiça de São Paulo, Hédio Silva Júnior. “Identificamos vários casos de indenização por danos materiais e morais decorrentes de racismo, o que mostra que juízes, promotores e advogados estão mais atentos à gravidade do problema.”
É o caso de decisão de 2008 do juiz Antônio Belasque Filho, da 5ª Vara Cível de Belo Horizonte, que condenou um motorista de ônibus a pagar indenização por danos morais a uma cobradora. O juiz também condenou a empresa de ônibus a indenizar a mulher ofendida.
A ofensa teria ocorrido três anos antes. Ao entrar no ônibus, a vítima conta que apresentou seu crachá da BHTrans. No entanto, o motorista disse que o crachá era falso e a obrigou a pagar a passagem. Ele também não acreditou no documento de identidade e terminou dizendo que não gostava de preto e chamou a mulher de “macaca”, segundo relato da vítima.
“Não há dúvidas de que o comportamento do empregado da empresa de ônibus atingiu direitos integrantes da personalidade da cobradora. Fazendo-se presente o sofrimento humano, a ofensa ao sentido de auto-estima, sem falar, ainda, na demonstração de desprezo às pessoas da cor negra”, anotou o juiz. “São também responsáveis pela reparação civil o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçal e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele.” O juiz determinou que a empresa pague R$ 4,1 mil de indenização para a cobradora.
Outro exemplo ocorreu em 2006, quando a seccional paulista da OAB promoveu sessão de desagravo em favor de dois advogados ofendidos por um procurador da República. Os dois eram defensores da TV Record e da Rede Mulher. Segundo eles, a agressão ocorreu durante audiência de conciliação num processo em que as emissoras de televisão eram acusadas de ofender as religiões afro-brasileiras. O procurador da República teria dito que os advogados das emissoras são “representantes da intolerância e do ódio religiosos no país”. A afirmação foi incluída no relatório da juíza que presidiu a audiência.