Criolo: Convoque seu Buda

Rapper paulista passeia por diferentes gêneros e mostra amadurecimento pessoal

Convenhamos: deve ser inglória a obrigação de lançar o sucessor de um disco como “Nó na Orelha” (2011). O elogiado álbum marcou a imersão de Criolo em ritmos para além do rap, como o afrobeat e o samba, catapultando sua carreira e cravando-o entre os grandes da nova música popular brasileira. Com seu jeitão humilde e messiânico, o rapper Kleber Cavalcante Gomes, hoje com 39 anos, se deparou com a trincheira da expectativa. Chegou a fraquejar, dando a entender que não lançaria novos discos, como se já tivesse cumprido sua observada missão. Mas o novo rebento saiu, celebrando a profícua parceria com os produtores Daniel Ganjaman e Marcelo Cabral.

 O grande barato de “Convoque seu Buda” é que Criolo aflorou sua aura zen para responder com leveza e qualidade à pressão dos fãs e críticos. Recém-lançado gratuitamente na internet (faça o download em www.criolo.net), o disco é um inspirado passeio por diferentes vertentes musicais, que tem no rap seu eixo central. A canção homônima, por exemplo, abre o disco remontando ao rap paulistano dos anos 1990, com inspiração japonesa que lembra “Dorobo”, célebre parceria de Sabotage e BNegão. Elementos orientais, cantos e vocalizações misturam-se a uma batida reta como um golpe de katana.

Com um flow criativo, Criolo canta a busca pelo equilíbrio e a espiritualidade, seja lá por qual meio – Oxalá, Shiva, Zé Pelintra ou Ganesh. O rapper também versa sobre as mazelas sociais da cidade grande, contrapondo-as com a ostentação da elite brasileira, temáticas que se repetem durante o disco, como mostra “Esquiva da Esgrima”. A segunda canção é um rap melancólico, denso, com elementos africanos e refrão marcante. Um lamento moderno sobre as agruras da periferia e a falta de compaixão dos tempos atuais.

Já a dançante “Cartão de Visita” traz uma roupagem 70’s disco que ironiza, assim como a bem-humorada letra, a cafonice dos “coxinhas” do Brasil. “Passa no cartão essa gente indigesta”, arremata a música, que conta com a participação tímida de Tulipa Ruiz. Na letra, Criolo “zoa” a si mesmo ao citar a entrevista com Lázaro Ramos que gerou brincadeiras sobre seus devaneios sociofilosóficos e virou meme na web: “Lázaro, alguém nos ajude a entender”.

O clima volta a pesar com a visceral “Casa de Papelão”, em que linhas cadenciadas de percussão e metais embalam estrofes sobre a sofrida vida dos moradores de rua das capitais brasileiras.

O álbum fica novamente animado com o samba “Fermento pra Massa”, que se inspira nos protestos populares que tomaram as ruas do Brasil nos últimos dois anos e tem arranjo de Kiko Dinucci e Rodrigo Campos. Criolo, que “respeita o rastafári”, traz novamente o reggae e o dub para seu trabalho, desta vez representados pela competente “Pé de Breque”.

Um ponto alto do disco é o balanço de “Pegue pra Ela”, salada musical temperada por afrobeat, baião e carimbó. Se nela sobra sabor, falta sal à sem graça “Plano de Voo”, rap arrastado e cansativo que tem participação do rapper Síntese.

Um rap bem mais conciso aparece em “Duas de Cinco”, que traz o drama da dependência química e da violência gerada pela proibição das drogas. Fechando o disco, surge a voz poderosa de Juçara Marçal embalando uma saudação a Exu, em iorubá, que dá lugar às rimas de Criolo em “Fio de Prumo (Padê Onã)”.

“Convoque seu Buda” começa com filosofia oriental e termina em candomblé, pedindo que os caminhos se abram e lembrando os menos favorecidos. Uma coisa é certa: o santo de Criolo é forte. Nem Lázaro nem ninguém precisa ajudar a entende-lo – basta acompanhar sua iluminada e frutífera caminhada.

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