Cronista analógica de um tempo digital

A crônica é assim um jogo de inversões que atribui valor e sentido a aspectos desprezados, ignorados ou pouco perceptíveis do cotidiano. E a tudo ou a quase tudo empresta um pouco de graça, poesia, ironia, amor. Tudo junto e misturado ou em laivos surpreendentes de lirismo, humor e acidez. Via conta-gotas ou em doses cavalares

Por Cidinha da Silva Do Portal Fórum

A poeta Lívia Natália atribui a Tempo, divindade do Panteão Africano, a paternidade de minhas crônicas. Mas lembra que elas também flertam com Cronos, o imperador grego do tempo. É cortesã de muitos amores.

Ao campo de Cronos caberia o efêmero, o circunstancial, o acontecimento datado e refletido em um texto-retrato.

À seara de Tempo estariam ligados o ir e vir, o devir, as curvas. A dança da memória. As encruzilhadas das descobertas e dos saberes.

Minha escrita, embora ágil, tem o raciocínio analógico do cágado que acompanha com os olhos a velocidade do touch screen, suas armadilhas e recalques. Meu raciocínio analógico quer decodificá-los, subvertê-los, deles fazer troça. Tal qual presa que surpreende o caçador pelas costas.

A crônica é assim um jogo de inversões que atribui valor e sentido a aspectos desprezados, ignorados ou pouco perceptíveis do cotidiano. E a tudo ou a quase tudo empresta um pouco de graça, poesia, ironia, amor. Tudo junto e misturado ou em laivos surpreendentes de lirismo, humor e acidez. Via conta-gotas ou em doses cavalares. Tudo a depender do calor do acontecimento, da necessidade homeopática e dos humores ou calundus da cronista.

A crônica é um retrato do momento, do sentimento, do pensamento, da reflexão. É grito ou murmúrio, clareira ensolarada ou porão cheio de bichos rastejantes e sonolentos, escondidos pelos cantos. Corte fino de adaga, precisão de cutelo.

E se é verdade que o romance ganha o leitor por pontos e o conto por nocaute, a crônica esgrima e vence por W.O.

Cidinha da Silva é escritora. Publicou, entre outros, Racismo no Brasil e afetos correlatos (Conversê, 2013) eAfricanidades e relações raciais: insumos para políticas públicas na área do livro, leitura, literatura e bibliotecas no Brasil (FCP, 2014). Despacha

+ sobre o tema

O avanço dos mandatos coletivos

A cidade com o maior Índice de Desenvolvimento Humano...

Chegou a hora do basta – por Sakamoto

No quarto dia de...

Bolsa-enchente de Kassab não garante nova moradia

Moradores do Jardim Pantanal dizem que não conseguem imóvel...

para lembrar

Mário, Rachel e a poética do amor

Os jornais virtuais informam sobre atrocidades  cometidas contra animais,...

O homem azul do deserto

Crônica de Cidinha da Silva conta a história de...

Lançamento de Kuami, livro novo de Cidinha da Silva, no Rio e em São Paulo

Cidinha da Silva mergulha na prosa mais uma vez...

Ela me largou

Dia de feira. Feita a pesquisa simbólica de preços, compraria nas bancas costumeiras. Escolhi as raríssimas que tinham mulheres negras trabalhando, depois as de...

Frugalidade da crônica para quem?

Xico, velho mestre, nesse périplo semanal como cronista, entre prazos apertados de entrega, temas diversos que dificultam a escolha, e dezenas de outras demandas,...

O PNLD Literário e a censura

Recentemente fomos “surpreendidas” pela censura feita por operadoras da educação no interior do Rio Grande do Sul e em Curitiba a um livro de...
-+=