Cuba deixa morrer o preso político negro Zapata Tamayo

Contra o seqüestro de um mártir

Carlos Moore*

Orlando Zapata Tamayo, um jovem trabalhador negro pobre cubano, morreu nesta terça-feira após uma greve de fome de 86 dias em protesto contra a brutalidade que vinha sofrendo na prisão.

Desde 2003, ele vinha sendo mantido como um prisioneiro político em um centro de detenção localizado no interior de Cuba. Em 50 anos do regime de Fidel Castro, Zapata se converteu assim no primeiro dissidente negro que entregou a própria vida para protestar contra a opressão racial, a negação dos direitos civis, dos direitos humanos e políticos.

“Meu filho foi assassinado por causa de sua pele negra”, disse a mãe de Zapata, em meio aos choros, quando recebeu a noticia. A pergunta é: por que as autoridades cubanas permitiram que este homem morresse, precisamente no momento em que tantas vozes, em todo o mundo, têm se levantado condenando a situação racial na ilha?

Preso por suas atividades políticas corajosas, Zapata foi acusado de “desordem pública”, “desacato às autoridades” e “perturbação da ordem”. Ele foi condenado a três anos de prisão. Mas enquanto cumpria a sentença, foi acusado de “rebelião” e condenado novamente a um total de trinta e seis anos! Este fato que pode parecer incrível à maioria no mundo, não o é em Cuba, especialmente se a pele do condenado é negra.

Os negros cubanos presos, há muito, se queixam de serem submetidos a tratamento diferenciado com humilhações e espancamentos, não merecendo algumas amenidades que são oferecidas aos brancos. Estima-se que 85 por cento da população carcerária cubana é de negros, e que dos cerca de 200 presos políticos, 60 por cento sejam também negros. É o racismo cubano que permanece, mesmo atrás das grades.

Zapata, um pedreiro de profissão, não aceitou os espancamentos, as humilhações e o tratamento diferenciado por causa de sua cor. Depois de ser gravemente atacado por guardas que o deixaram quase morto, ele iniciou uma greve de fome, em 3 de dezembro de 2009, na prisão de Olguín, no leste de Cuba. Isso aconteceu exatamente dois dias depois de acadêmicos, artistas e intelectuais do mundo negro terem emitido uma declaração importante, protestando contra as condições raciais e as violações dos direitos humanos na ilha.

A determinação de Zapata para ter sua humanidade respeitada e, até mesmo, morrer se necessário fosse, sinaliza uma grande mudança nos acontecimentos dentro de Cuba; mudança que está redefinindo a fisionomia da oposição política na ilha.

Durante os últimos 25 anos uma nova força apareceu, crescendo não apenas em números, mas em complexidade, apontando para os problemas da discriminação racial, do racismo e do sexismo em Cuba, na vanguarda da luta por uma mudança não-violenta. Essas novas forças parecem ter pego de surpresa, tanto o regime de Castro, quanto a oposição exilada de direita, cuja esmagadora maioria é branca. Ambos foram forçados a se reposicionar num esforço para reafirmar seu controle sobre aqueles a quem consideravam como puros reféns políticos: os negros cubanos.

É esta nova configuração da oposição cubana, em Cuba, que tem provocado a ira dos governantes da ilha. Ativistas de direitos civis têm apontado o caso do líder comunista negro Juan Carlos Robinson, ex-secretário provincial do Partido Comunista, prisioneiro há 12 anos, após ter sido acusado, em 2006, das mesmas irregularidades – corrupção – de que fora acusado o ministro do exterior Roberto Robaina, um branco, em 2002. Ora, contra este último somente foi decretada a prisão domiciliar. Por que o tratamento diferenciado?

Os ativistas de direitos civis apontam também para as execuções em 2003 de Jorge Luis Martínez Isaac, Lorenzo Enrique Copello Castillo e Leodán Bárbaro Sevilla García – três jovens negros que sequestraram uma lancha na tentativa de fugir de Cuba. O fato de dois deles serem veteranos da guerra em Angola, não impediu que o regime os executassem como “terroristas”, num prazo de 48 horas após sua captura. Foi a primeira vez que o governo de Fidel Castro executara alguém por seqüestro. Os ativistas de direitos civis acreditam que o motivo foi a cor da pele das vítimas: todos negros!

“As autoridades não perdoam àqueles a quem consideram como ‘negros fugitivos´”, explicaram os ativistas. Eles avaliaram que, ao executar esses jovens negros, o regime enviou uma mensagem codificada à população afro-cubana de que a dissidência, e muito menos a oposição, não seriam tolerados, especialmente se viesse dos negros. Os ativistas apontam, também, para as práticas agressivas de abordagem policiais contra os jovens negros em Cuba, como sendo uma das principais causas da super lotação de negros nas prisões.

Mas, para entender por que as autoridades cubanas permitiram a greve de fome de Zapata até as últimas conseqüências, é necessário entender o outro lado da moeda: a saber, a reação dos chamados “exilados” anti-Castristas, predominantemente brancos, nos Estados Unidos, ao assassinato de Zapata. Para estes grupos, claramente, trata-se de marcar pontos políticos e de se aproveitar do martírio de um opositor negro.

Nessa ótica, pode-se esperar que esses “exilados” tentem recuperar a situação ao seu proveito, com declarações espalhafatosas. Já é o caso com as principais formações políticas da extrema direita exilada nos USA, tais como: o Movimento Democracia, liderado por Ramón Saúl Sánchez; a Fundação Nacional Cubano Americana, liderada por Pepe Hernández e Jorge Mas Santos; e em especial o Diretório Democrática Cubano, liderado por Orlando Gutierrez e o Conselho Cubano pela Liberdade, chefiado por Ninoska Pérez Castellón.

Todos estes grupos vêm trabalhando para sufocar e controlar as novas forças de oposição em Cuba, e investem grandes recursos nesse sentido. Mas, suspeita-se que essas tentativas estão destinadas a satisfazer os interesses espúrios da antiga oligarquia cubana derrubada pela Revolução, e cujo domínio se baseara na segregação racial. É por isso, que as lágrimas de crocodilo derramadas pelo congressista cubano-americano Lincoln Díaz-Balart, em relação à morte de Zapata, longe de o identificar como um defensor da igualdade racial em Cuba, constitui-se numa farsa.

Certamente não tenho a pretensão de falar em nome daqueles que em Cuba constituem a maioria. Mas, não estou longe da verdade dessa maioria ao afirmar que ela dificilmente poderia estar lutando com o fim de re-empoderar aquela minúscula elite branca e rica que foi derrubada em 1959. É essa elite segregacionista que esses exilados, chamados de anti-castristas, representam.

Orlando Zapata Tamayo está morto. Ele é agora um mártir do povo. Mas aqueles que lutaram e compartilharam de suas aspirações não podem permitir que o corajoso e íntegro legado deste homem e sua memória sejam “sequestrados” e usurpados. Aqueles que, antes de 1959 o desprezaram por ser negro, e que continuam a fazê-lo apesar das lágrimas hipócritas derramadas, não podem roubar esse legado. O legado de Zapata pertence ao futuro de Cuba, e não ao seu passado neo-colonial, segregacionista e subserviente.

SOBRE O AUTOR:

* Carlos Moore é Etnólogo e Cientista Político, autor do recém-lançado “Pichón: Raça e Revolução na Cuba de Fidel Castro” (Lawrence Hill Books, 2008). Moore é chefe de pesquisa honorário na Escola de Pós-Graduação e Pesquisa da University of the West Indies, em Kingston, Jamaica.

Fonte: Memorial Lélia Gonzales

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