Da desistência de denunciar um crime – Por: MARLOREN LOPES MIRANDA

Espero que outros
Paulões comprem
suas brigas, e que
não aceitem a
derrota antes da luta

MARLOREN LOPES MIRANDA*

É triste quando se leem notícias como a veiculada na Zero Hora do dia 30 de março sobre a desistência de registrar ocorrência por ato racista do jogador Paulão do Internacional, vítima desse crime no Gre-Nal do mesmo dia, na Arena. Nas palavras do jogador, ele não vai “entrar nessa briga, porque seria mais um negro que estaria brigando por uma coisa que não está dando resultado”. O triste nisso é que é justamente por ações (ou melhor, por omissões) como essa que “a coisa” não está dando resultado. Racismo é crime previsto em lei (7.716/89); não denunciá-lo é, em um sentido, não tomar o ato como algo que mereça punição; é assumir a posição do opressor e dizer que não dá pra mudar mesmo.

“O sistema não pune como deveria; a justiça não é feita como deveria ser; a luta não dá resultados: uma hora, cansa.” É comum ouvir esse tipo de argumento de quem desistiu porque cansou _ porque a luta pelo reconhecimento dos nossos direitos é cansativa. Mas dizer que o sistema não pune, que não dá resultado e que, por isso, não vamos mais denunciar e não vamos entrar na briga é dar a luta como perdida. Nenhuma cultura, nenhum costume mudou porque as pessoas desistiram de lutar pelos seus direitos, porque cansaram.

Se eu, mulher, tivesse nascido há uns 140 anos, não poderia receber a mesma educação de um homem, não poderia ir à universidade, não poderia discutir sobre racismo em um jornal. Mas hoje, como mulher, eu posso. E, se eu posso, é porque alguém lá atrás denunciou, resolveu não ficar quieta, não se omitiu, mesmo que cansada. Há cem anos, e ainda menos, certamente, a luta não dava muitos resultados, e provavelmente se ouvia coisas como “o que essa mulher quer, achando que pode estudar na mesma sala de um homem?”, “olha, uma mulher escrevendo para um jornal para defender negros, em que mundo estamos?”. É bem provável que ainda se escutem coisas desse tipo, ou ainda piores, mas agora nós, mulheres, estamos nas salas de aula, nas empresas e nos cargos políticos. Algo mudou nos costumes, na cultura, de lá pra cá, e foi porque alguém resolveu não se omitir, mesmo que parecesse que não ia dar em nada.

O ponto é exatamente esse: é cansativo e parece que não vai dar em nada, porque parece não haver punições efetivas, porque parece que o sistema não responde como deveria, porque parece que não há justiça; mas ainda assim é preciso denunciar, é preciso entrar nessa briga, é preciso ser mais um negro, mais uma mulher, mais um homossexual brigando por uma coisa que, por ora, pode parecer não estar dando resultado. Muitos serão silenciados, muitos sequer serão ouvidos, mas não há nenhum reconhecimento por qualquer direito se não se comprar a briga por ele. Espero que outros Paulões comprem suas brigas, todos os dias, e que não aceitem a derrota antes da luta.

*Doutoranda em Filosofia pela UFRGS

Fonte: Clic RBS

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