Recebemos e publicamos o texto de uma autora que prefere permanecer anônima e que nos enviou essa denúncia dizendo: dar voz ao que não pode ser dito ou ao que é largamente amordaçado no sistema de justiça é muito. O sistema judiciário segue com seu machismo, mas não podemos ficar caladas.
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A criação da Lei nº 11.340/2006, denominada “Lei Maria da Penha”, traz consigo mudanças significativas no que diz respeito ao enfrentamento de crimes que passaram a ser considerados como violações de direitos humanos, tendo em vista a implementação de mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do §8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher.
Nesse sentido, injuriar, caluniar e difamar a mulher perante delegadas(os), promotoras(es) ou magistradas(dos) em diligências pessoais, audiências ou petições constitui VIOLAÇÃO DE DIREITOS HUMANOS GRAVE, conforme configurado na Lei Maria da Penha.
Não é aceitável que agressor algum sequer tente denegrir a imagem pública de uma mulher, especialmente no que diz respeito a informações ou insinuações que explicitamente evidenciam o preconceito machista de violência contra a mulher.
Esta prática torpe apenas tem eco quando reforçada por componentes machistas e sexistas de seus interlocutores. Logo, cumpre destacar o quanto a capacitação específica dos operadores do direito nas varas especializadas da mulher deve definir uma expertise própria desses operadores do sistema de justiça a fim de que os mesmos identifiquem prontamente o referido comportamento dos agressores. Devem os operadores do sistema de justiça coibir frontalmente tal prática, conforme preconiza a Lei Maria da Penha em seu caráter preventivo, dando efetividade à Lei e contribuindo, com a devida condução da aludida prática, para propiciar um momento reflexivo de caráter pedagógico para os agressores, que muitas vezes sequer percebem como violência a prática de injuriar, caluniar e difamar uma mulher, explicitando a naturalização da índole machista e sexista, neles arraigada, considerada pela ONU como a principal causa de violência contra mulheres no mundo.
O comportamento de injuriar, caluniar e difamar uma vítima para se defender não difere do comportamento daqueles que antigamente matavam em defesa da honra ou dos que estupram culpabilizando a vítima pelas roupas que ela estava usando ao ser estuprada. Difamar a vítima para tirar o foco dos crimes em apuração é uma manobra detalhadamente descrita em qualquer compêndio que discorra sobre a caracterização de personalidade de um agressor doméstico de mulheres.
Devem os representantes legais das vítimas firmemente indicar para sua constituinte a importância de visibilizar a referida prática quando ela ocorrer, registrando-a em Boletim de Ocorrência para tomada de providências legais, por ser esta a única atitude que pode fazer cessar este tipo de manobra de agressores de mulheres.
Especialmente diante de interlocutores do sexo masculino, os agressores costumam se sentir à vontade para tentar injuriar, caluniar e difamar uma mulher, talvez por inferir que estando diante de um homem, ou seja, de um igual, contará com um ouvinte tão machista e sexista quanto ele próprio.
Refletindo sobre um caso concreto no Maranhão
No caso em concreto, em curso na vara especializada da mulher e violência doméstica de São Luís do Maranhão, cuja a vítima é docente e pesquisadora em gênero e o agressor advogado, a forma de realização dos referidos crimes se dá em peças judiciais que o acusado escreve, bem como em contato direto com operadoras(es) do direito. Sem defesa dos fatos em apurados na DEM, o agressor insiste em cometer continuadamente os crimes em evidência.
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Assim, o agressor manteve contato pessoal com o magistrado de segundo grau cometendo crimes de injúria, calúnia e difamação contra a vítima, relatados para a vítima, na presença de duas testemunhas, pelo próprio magistrado, o que então foi prontamente documentado em Boletim de Ocorrência anexado ao inquérito em curso na DEM (Delegacia da Mulher), ensejando que a vítima entrasse com uma exceção de suspeição contra a referida autoridade, ainda em apreciação pelo TJ-MA .
Em contato pessoal com o magistrado que tinha em seu poder o julgamento de um pedido liminar em um agravo, o agressor explicitou para a autoridade que a vítima seria “louca, esquizofrênica”, sem qualquer documento nos autos que comprove a acusação, constituindo então a referida alegação como violência moral evidente.
Os crimes de violência moral e psicológica cometidos contra a vítima no caso concreto estão materializados em peças judiciais redigidas pelo próprio agressor, advogando em causa própria, desde 2012. É interessante ressaltar que após a instauração do inquérito policial na DEM a forma de dar continuidade à aludida modalidade de crimes em concurso vem sendo materializada em diligências pessoais do agressor com autoridades judiciais,como o ocorrido perante o magistrado em questão.
O agressor pontuou ainda para o magistrado, em franco exercício de injúria e difamação da vítima, que “seus filhos não são de um único pai” refletindo sua percepção machista e injuriosa da mulher, o que determinou a necessidade do caso ser acompanhado pelo fórum maranhense de mulheres, que passou a integrar a lide como observador externo interessado.
Destaque-se que a estratégia de coagir e constranger a vítima para fragilizá-la e forçá-la a desistir do processo contra ele constitui um exemplo típico em qualquer descrição psicoantropológica de agressores de mulheres, de tentar denegrir a vítima para tentar tirar a atenção das(os) julgadoras(es) dos crimes em apuração, induzindo as autoridades a erro.
Autora
Cidadã maranhense que não quer se identificar, solidária a qualquer mulher vítima de violência de gênero.