Para pensadores reunidos no Instituto de Estudos Avançados da USP, percepção de que se pode intervir na política marcará história
Assim como nos escritórios, botequins e ruas, a academia tenta responder a mesma pergunta sobre as manifestações que monopolizaram a atenção na última semana. “O Que Está Acontecendo?”, foi o tema de um debate realizado no Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP) com os maiores nomes que a instituição encontrou para responder a questão.
O italiano Massimo Canevacci, professor de Antropologia Cultural da Università degli Studi di Roma La Sapienza foi o primeiro a falar e disse que a identificação das massas com a causa do Movimento Passe Livre se deu por conta da repressão policial mostrada pelas redes sociais e imprensa há uma semana. “Na minha fantasia foi a polícia paulistana, o Haddad e Alckmin que tentaram imitar a Turquia e Istambul e não os manifestantes. A polícia causou a identificação”, disse.
Alfredo Bosi, professor emérito de literatura da USP, mandou sua opinião em texto, preso em um congestionamento causado pelos diversos atos. Para ele, a questão do que é pode ser respondida como um fenômeno de massa, principalmente de jovens e conectados às redes sociais causado pela defesa da livre manifestação, mas cabe agora questionar-se como tornar viável uma democracia participativa e quais seriam suas causas.
A professora da área de psicologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Sylvia Dantas comentou o estado emocional da população. “As manifestações trouxeram vida, esperança. Nós estávamos tomados por um estado de melancolia, tédio e de que a impotência é tão grande que não há como sair disso. De repente vieram as manifestações contra a ideia da juventude alienada. O movimento teve uma significação de vida”, comentou.
Para ela, foi essa “vida” que atraiu outros jovens, que internalizavam suas próprias insatisfações. “É catarse, estão colocando para fora uma percepção da realidade que não é a mesma da institucionalizada. Temos aí um movimento muito sincero, genuíno de uma geração que vem se contrapor à geração da retórica, muito distante da nossa realidade atual”, disse, ponderando que o movimento que iniciou o processo deve agora recuar para questionar e se colocar novamente.
Bernardo Sorj, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e diretor do Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, avalia que as manifestações já entraram para a história. “Marca uma inflexão na história da democracia brasileira. A primeira década foi pela democracia eleitoral, depois social e agora das reivindicações da nova classe média.”
O novo desafio da democracia brasileira também foi o assunto de José Álvaro Moisés, diretor científico do Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas (Nupps) da USP. “Acho que é um enorme mal estar com a democracia que temos no Brasil, não que não haja democracia, mas isso está relacionado com a qualidade. Tivemos avanços extraordinários e como consequências políticas sociais importantes, mas visivelmente em algumas áreas está funcionando mal, provavelmente a principal é a representação política”, afirmou. “Me chamou muita atenção que não houve um líder de partido que dissesse qual era sua opinião em relação a demanda. Mais grave, nenhum líder do parlamento veio a público para estabelecer conexão com a população nas ruas. A democracia cobra isso.”
Mudança no perfil das manifestações
A professora da Escola de Comunicação e Arte (ECA) da USP, Lucia Maciel, destacou a mudança de perfil dos manifestantes principalmente após o anúncio da diminuição da tarifa de ônibus em São Paulo. “Ontem (quinta-feira) houve uma guinada muito grande no movimento. Até segunda-feira, apesar de haver muitas manifestações por diversas causas, era um público. Ontem, houve uma série de reivindicações conservadoras, agressões a quem fazia parte da luta histórica e a quem defendia partidos. O que ocorre a partir de ontem merece outra forma de análise”, disse.
Fonte: IG