Debates – Não existe quase-igualdade

O Yahoo Debates me pediu para escrever um texto explicando por que eu sou a favor da união civil entre homossexuais e, sem querer, me colocou numa saia justa: eu sou radicalmente contra a união civil entre homossexuais! Quando recebi a proposta, pensei em responder isso aos editores e pedir que eles mudassem o tema do debate, mas finalmente decidi que o melhor seria, para acabar de vez com essa confusão, escrever um texto explicando por que eu sou contra. Às vezes, uma confusão pode ser uma boa oportunidade.

Imaginemos, por um instante, que a legislação de um país proibisse o casamento aos negros: só os brancos podem casar. Os negros, como consequência dessa legislação, teriam suas famílias não reconhecidas pela lei, quase clandestinas. Eles não teriam direito a incluir o parceiro como dependente do plano de saúde, a receber uma pensão e a herança dos bens se o parceiro falecer, a solicitar um empréstimo de forma conjunta, a incluir o parceiro na declaração do imposto de renda, a adquirir a nacionalidade dele (no caso dos migrantes), a serem isentos de declarar contra ele num processo penal, a compartilhar a guarda e o pátrio poder dos filhos, a fazerem a divisão de bens em caso de separação etc.

E muito mais do que isso: eles não teriam direito a celebrar o casamento no cartório, como qualquer cidadão. E digo “celebrar” porque, além do ato formal, da realização do contrato conjugal, o casamento é uma celebração que tem um peso simbólico muito importante na nossa cultura. É uma forma de reconhecimento social, uma festa da qual participam familiares e amigos, um evento público que permite a aqueles que se amam compartilhar com seus próximos essa união, esse projeto de vida em comum.

Imaginemos que nesse país em que os negros não podem casar, algum parlamentar propusesse, em compensação, a aprovação de uma lei de “união civil de negros” e garantisse que essa lei reconhecerá todos (ou quase todos) os direitos materiais que os brancos têm garantidos quando casam. Graças à união civil, os negros passariam a ter herança, plano de saúde etc. Seriam quase iguais perante a lei. Quase.

Mas não existe a quase igualdade, da mesma maneira que uma mulher não pode ficar quase grávida. Ou você é igual perante a lei ou não é. A quase igualdade é um eufemismo bonito para a desigualdade. E a igualdade, a única igualdade possível, seria aquela em que os negros tivessem direito ao casamento civil, com os mesmos requisitos e efeitos — e com o mesmo nome — que os brancos. A “união civil entre negros”, da mesma forma que a “união civil entre homossexuais”, é um gueto, um apartheid. É uma maneira de dizer — de o Estado, a lei, e, portanto, a comunidade dizer — que essas pessoas não valem igual, que suas famílias não valem igual, que não merecem o mesmo respeito e reconhecimento.

A “união civil” é herdeira da doutrina “separados, mas iguais”, usada durante muito tempo para justificar a segregação racial dos negros nos Estados Unidos e em outras partes do mundo. Foi graças a essa doutrina que a justiça americana justificou, por exemplo, a separação dos assentos dos ônibus entre brancos e negros. O argumento era que todos os assentos eram iguais e, portanto, não havia discriminação, mas apenas uma separação: os brancos sentavam na frente (que seria como dizer: eles podiam casar) e os negros atrás (que seria como dizer: eles podiam fazer uma união civil). Quem quiser saber mais sobre isso pode procurar a história de Rosa Parks e Martin Luther King.

* Jean Wyllys é deputado federal (PSOL-RJ), escritor com três livros publicados e colunista da revista Carta Capital

Fonte: Yahoo

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