Defensoria Pública do Ceará quer libertar Mirian França

Equipe responsável pela defesa da carioca enviou à Justiça pedido de revogação da prisão temporária; familiares a amigos se articulam nas redes sociais por sua liberação

Por Anna Beatriz Anjos no Revista Fórum 

A Defensoria Pública do Ceará pediu, na manhã desta terça-feira (6), a revogação da prisão temporária da farmacêutica carioca Mirian França de Mello, detida deste o último dia 29 por suspeita de envolvimento na morte da turista italiana Gaia Molinari. O trio de defensores responsável pela defesa de França comunicou o fato hoje, em entrevista coletiva concedida à imprensa em Fortaleza.

Gina Moura, uma das defensoras, espera que o pedido seja analisado pela Comarca de Cariré até o fim do dia, quando acaba o período de recesso. Caso isso não ocorra, o caso será encaminhado à Comarca de Jijoca, região onde o fato ocorreu. “A Defensoria Pública considera a prisão precipitada e ilegal. Não há nenhum fundamento que leve a crer que ela [Mirian] tenha qualquer envolvimento com o fato. Ela se submeteu a acareações e tem colaborado com as investigações”, considera.

Moura informou ainda que Mirian está disposta a permanecer no Ceará enquanto a investigação transcorrer e que colaborará com a Polícia Civil.

Entenda o caso

O corpo de Gaia Molinari foi encontrado no dia 25, em Jijoca de Jericoacoara, a 287 km de Fortaleza. Em 29 de dezembro, Mirian França de Mello, de 31 anos, foi presa por uma equipe da Delegacia de Proteção ao Turista (Deprotur), sob suspeita de ser a autora do homicídio.

Mirian e Gaia estavam juntas em Jericoacoara. Não se sabe ao certo quando se conheceram, mas relatos de amigos da carioca apontam que o primeiro contato aconteceu por meio de um site para mochileiros. “Essa viagem, ela [Mirian] já estava planejando há muito tempo. Inicialmente ia com a mãe, que resolveu não ir mais. Quando ficou sem companhia para viajar, foi até um site de mochileiros. Parece que a Gaia teria respondido à postagem dela lá”, conta Raquel Albuquerque, de 27 anos, que divide apartamento com a farmacêutica desde 2013.

Mirian, doutoranda em Imunonologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), relatou à polícia que havia combinado com Gaia de partirem juntas à praia de Canoa Quebrada na noite de 24 de dezembro. A italiana, entretanto, não compareceu no horário e local marcados. A carioca, então, teria decidido ir sozinha e continuado a tentar contatar Gaia, até saber de sua morte. Em 26 de dezembro, retornou a Fortaleza, onde foi detida dias depois.

Em coletiva de imprensa na última segunda-feira (5), a delegada Patrícia Bezerra, responsável pelo caso, afirmou que decidiu pela prisão de Mirian porque ela teria se contradito durante os dois depoimentos que prestou aos policiais, além de ter passagem de volta ao Rio de Janeiro comprada para o dia 29, o que “inviabilizaria a continuidade das investigações”.

Os argumentos de Bezerra são contestados pela defesa da carioca. “Você pode se contradizer, errar nas suas declarações. Isso não é motivo para ficar preso por trinta dias, incomunicável como ela [Mirian] estava.  Não é difícil você se contradizer em uma investigação dependendo de como a polícia fala, você sozinha, em um local que não conhece”, alega Humberto Adami, advogado que presta assistência gratuita a Valdicéia França, de 63 anos, mãe de Mirian. “O fato de morar em outro estado não é fundamento suficiente para manter alguém preso temporariamente”, complementa Gina Moura.

A turista italiana Gaia Molinari foi encontrada morta no dia 25 de dezembro (Foto: Reprodução/Facebook)
A turista italiana Gaia Molinari foi encontrada morta no dia 25 de dezembro (Foto: Reprodução/Facebook)

Racismo institucional?

 

Os amigos de Mirian também se mobilizam por sua soltura, sobretudo pela redes. Alguns criaram um evento no Facebook para divulgar as novidades no caso. Raquel Albuquerque é uma das moderadoras. “O papel [do evento] agora virou outro. A luta, que era pela defesa, agora é para que ela seja liberada”, explica. “Uma pessoa que tem trabalho, tem residência fixa, e não há provas contra ela, não há porquê mantê-la presa.”

Na internet, circula ainda um abaixo-assinado online pedindo a libertação da farmacêutica, assinado por mais de 1.500 pessoas.

O amparo a Mirian vem também do movimento negro. Na segunda-feira, diversos coletivos e militantes se reuniram com Ana Paula Vieira, secretária executiva do Conselho de Defesa dos Direitos Humanos do Ceará. No encontro, falaram sobre as violações dos procedimentos policiais e garantia dos direitos individuais de Mirian. “Devemos ressaltar que o movimento negro não está aqui se antecipando às investigações iniciadas e em andamento pela polícia cearense. No entanto, não desejamos ver novos irmãos e irmãs vitimas do racismo institucional, condenados antecipadamente pela policia e pela imprensa”, informa nota publicada pelo grupo nas redes sociais.

Humberto Adami compartilha da preocupação dos militantes. “Não podemos ser levianos ao afirmar que há racismo de qualquer das autoridades do Ceará, não temos comprovação disso. Mas o sistema prisional brasileiro é conhecido por ser muito violento com os pretos, pardos e pobres – isso fica provado por estatísticas e é objeto de denúncia de várias organizações de direitos humanos pelo país”, destaca.

Valdicéia França acusou a polícia cearense de racismo. “Os policiais viram uma neguinha, pobre, turista e ficou fácil colocar a culpa nela”, disse em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo. “Se fosse minha filha morta, será que a italiana estaria presa? É racismo.”

A Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Ceará não se posicionou em relação às declarações dos familiares e amigos da carioca.

 

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