Delegacia de Atendimento à Mulher recebeu 4.654 queixas de janeiro a junho

“Eu ficava levando bofetada na cara e vendo o meu sangue escorrer quando ele cortava meus dedos”, contou Joana*, 46 anos. Ao longo de 8 anos de relacionamento, ela sofreu agressões físicas, sexuais e psicológicas do marido. Sozinha, passou por cima do sentimento de derrota e de vergonha para denunciá-lo à Delegacia de Atendimento à Mulher (Deam), há alguns meses. O pedido de separação incomodou o homem “violento e perigoso”. O medo da reação do ex-companheiro levou a mulher a pedir o arquivamento da ação que começara a tramitar na Justiça. Desde então, o marido não voltou a procurar Joana e os dois filhos que ela teve em outro casamento. “Os homens querem apagar a luz linda que é a mulher. Estão querendo destruir e pisar na rosa. E nós, mulheres, não podemos nos dar ao luxo de botar na cara o que se passa dentro da gente”, desabafou, ontem, no Dia Internacional pelo Fim da Violência Contra a Mulher.

Por: Juliana Boechat

Na estrutura montada pela polícia, foram divulgados três núcleos de trabalho envolvendo violência doméstica

Como Joana, outras 4.653 mulheres registraram ocorrência de violência doméstica nos primeiros seis meses deste ano. Significa dizer que a cada hora, de janeiro a junho, uma mulher procurou uma delegacia do Distrito Federal para prestar queixas do companheiro. Números do Pró-Vítima, programa ligado à Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Cidadania, mostram que a média se manteve em relação a 2009, quando 9.597 mulheres buscaram apoio — aproximadamente 26 por dia. Mas os valores aumentaram em cerca de 35% se comparados aos de 2008. Naquele ano, 7.100 casos foram registrados pela Polícia Civil do DF. A subsecretária de Proteção às Vítimas de Violência, Valéria Velasco, acredita que as mulheres estão perdendo o medo de denunciar as agressões sofridas entre quatro paredes. “Elas sabem que têm respaldo da Justiça e da polícia”, defendeu.

Sancionada em 2006, a Lei Maria da Penha garantiu direitos às mulheres e determinou punições a homens agressores. Até então, não havia legislação específica sobre o tema. Há quatro anos, as mulheres não podem mais desistir da investigação aberta contra o companheiro na delegacia — sendo permitido recuar apenas na frente do juiz, como fez Joana. O autor das agressões pode ser preso em caráter preventivo ou em flagrante. Caso seja denunciado por violência à mulher, o homem ainda corre o risco de perder o direito de se aproximar da vítima com limite máximo de distância fixado pelo juiz responsável pelo caso; de ser proibido de frequentar alguns lugares; e de ser obrigado a se afastar de casa e dos dependentes. Segundo a Polícia Civil, o Distrito Federal conta com o maior número de registros em relação ao restante do Brasil.

Para Valéria, o número tende a aumentar com a capacitação do Estado em receber as vítimas e oferecer a elas o acompanhamento necessário. Atualmente, a única delegacia especializada no atendimento à mulher está localizada na Asa Sul. A distância do restante do DF impede pessoas de denunciar os maus-tratos. “As vítimas também podem ir às delegacias nas cidades, mas acabam intimidadas por serem ambientes naturalmente machistas”, explicou. Essa situação dificulta o trabalho das entidades que lutam contra a violência doméstica em Brasília. Segundo a delegada-chefe adjunta da Deam, Adriana Aguiar, apenas 40% das vítimas recorrem contra o agressor. “Muitas arquivam o processo ou fazem acordos. Acreditam que eles vão melhorar e que tudo vai voltar ao normal. Mas sabemos que não é assim”, explicou.

O gerente de Referência do Atendimento às Mulheres da Sejus, Luiz Henrique Machado e Aguiar, explicou que o tabu familiar também impede a mulher de registrar a ocorrência contra o companheiro. Muitas vítimas, segundo ele, questionam se mereciam a agressão e quais motivos a levaram àquela situação. “Às vezes, ela depende do homem financeiramente, ou ele é pai dos filhos e tem laços afetivos. A dependência emocional é complexa e o crime não é comum. Por isso a necessidade de profissionais capacitados para lidar com as vítimas de agressões. O assunto deve deixar o âmbito privado e chegar a público”, acredita. Ele cita Ceilândia, Gama, Recanto das Emas e Santa Maria como origem das demandas mais intensas.

 

Fonte: Correio Braziliense

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