Denise Carreira: Desconstruindo os argumentos contra as cotas

A Relatora Nacional pelo Direito à Educação se posiciona a favor da medida e comenta sua participação na audiência pública que discutiu as cotas no STF, este mês.

 

Denise Carreira é jornalista, mestre em educação pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo e Relatora Nacional pelo Direito à Educação. Hoje, é coordenadora do Programa Diversidade, Raça e Participação, da ONG Ação Educativa, que defende as cotas para negros nas universidades. A seguir, leia uma entrevista na qual Denise responde aos principais pontos expostos pelos que são contra a medida e comenta a sua participação na audiência pública realizada em março no Superior Tribunal Federal, que discutiu a questão das cotas.

1. Em sua fala no Distrito Federal, você utilizou o termo “racismo silenciado”. Acredita que o Brasil é um país racista?
O Brasil é um país racista e a consciência desse racismo vem crescendo nos últimos anos, como apontam algumas pesquisas. Isso se dá por conta do debate dessa questão, que ganhou muito espaço na última década principalmente. Acredito que é importante discutirmos o problema, para que seja desconstruído o mito da democracia racial. O mito de que o Brasil é um país mestiço e harmônico. O racismo hierarquiza grupos humanos e deprecia determinada parcela da sociedade, e ele está no imaginário e no cotidiano do brasileiro, seja de forma mais ou menos assumida.

2. A solução ideal não seria injetar mais investimento na educação superior, ou seja, mais universidades, mais vagas, mais qualidade, ao invés da solução das cotas?
O grande desafio do país é melhorar a escola pública de base. É fundamental aumentar o investimento em educação, isso é óbvio. Mas a atual conjuntura exige que se tomem medidas que funcionem a curto prazo. Não dá para esperar mais algumas décadas para igualar os negros e brancos. A nossa herança educacional é majoritariamente eurocêntrica. Não se conta a história do povo africano nas escolas, não se desenvolve a auto-estima do negro. No mais, o desempenho dos ingressantes na universidade por meio da ação das cotas está sendo positivo. Outra questão ética é a seguinte: a universidade pública é paga pelo povo. E mais de 50% da população brasileira é negra. Como explicar a baixa incidência de negros na universidade?

3. Por que o ato de reservar determinado número de vagas a uma parcela da sociedade não se caracteriza, o ato em si, como uma forma de racismo?
A experiência histórica demonstra que este tipo de medida não contribui para mais conflitos raciais. Talvez haja um caso ou outro contra. Um negro que se sinta lesado ou vítima de racismo, ou um branco que acredita que o sistema de cotas tirou sua vaga na universidade pública. Mas isso é ocasional. As cotas devem servir como instrumento para ampliar a diversidade nas universidades, respeitando e valorizando as múltiplas culturas pelas quais o Brasil é formado.

4. Por que estas medidas não desencadeiam mais manifestações discriminatórias por parte dos alunos ou da sociedade não-negra?
Essa pergunta tem a ver, novamente, com a questão dos conflitos raciais. A ação das cotas deve democratizar a sociedade, e é instrumento temporário, pois, quando a situação de desigualdade se equiparar, a tendência é acabar com essas cotas pré-definidas. As discussões em torno das cotas vêm como instrumento para qualificar o debate público. A imprensa, por exemplo, trata sobre o assunto com muito preconceito implícito. Os jornalistas deveriam trazer um embate de opiniões mais isento e qualificado, para que a sociedade possa crescer após conflitos assim.

5. A questão racial não estaria se sobrepondo a uma questão mais importante, que seria a de classe?
As pesquisas indicam que a pobreza é insuficiente para explicar nossas desigualdades. A questão racial está bem no centro dessa discussão, ou seja, é fato que há mais negros pobres do que ricos. Os indicadores demonstram que as diferenças sociais entre a população negra e não-negra está diminuindo, mas ainda há uma diferença, como nos números de analfabetismo, por exemplo. Essa desigualdade é herança, permanece historicamente.

Fonte: Ação Educativa 

 

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