Dennis de Oliveira: “Essa sociedade fragmentada entre Casa Grande e Senzala tem que acabar”

Para professor da ECA-USP, demandas e vozes das periferias brasileiras precisam ser atendidas e ouvidas para a construção de uma sociedade democrática

Por Anna Beatriz Anjos no, Revista Fórum 

“O sujeito da periferia tem também um protagonismo cultural, uma proposta social e política, que são importantes e devem ser levados em consideração em uma sociedade democrática.” Essa é a avaliação de Dennis de Oliveira, jornalista, professor da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP). Ele é um dos debatedores do seminário “A Periferia no Centro: cultura, narrativas e disputas”, promovido pela Fórum, em parceria com a Secretaria de Cultura da Prefeitura de São Paulo, e com apoio do SPressoSP e iG. (para se inscrever, clique aqui).

Oliveira integrará a mesa sobre articulação em rede contra a violência policial, ao lado de Douglas Belchior (UNEafro Brasil), Débora Maria (Mães de Maio) e Silvio de Almeida (Instituto Luiz Gama). A ideia da rodada é discutir a seletividade da Polícia Militar, cujos alvos, em sua maioria, são jovens negros e moradores das periferias, além de mostrar como a internet pode ser uma arma eficaz para denunciar a barbárie cometida pelos agentes de segurança.

Abaixo, leia uma prévia do que será discutido no encontro:

Fórum – Qual a relação entre racismo e violência policial? A PM age, realmente, de forma seletiva?

Dennis de Oliveira – Sim. A PM usa o critério do tipo suspeito. E, para se monitorar o tipo de ação desse tipo suspeito, coloca-se a questão racial como elemento central. Quando a PM vê um jovem negro, uma pessoa negra na rua, tem outro tipo de atitude do que se fosse um jovem branco.

Fórum – Na sua avaliação, quais são os caminhos a serem seguidos, nas esferas institucionais e civis, para que o modelo de segurança pública brasileiro seja transformado?

Oliveira – Primeiro temos que falar sobre a polícia militar. A sua concepção é um contrassenso, porque “militar” significa ter uma ação de combate ao inimigo, e a função da polícia não é essa, é dar segurança ao cidadão. Uma das bandeiras que a gente defende é a desmilitarização da polícia, para que ela seja civil, e esteja sob o controle social – esse é o primeiro aspecto. A segunda coisa é que você, efetivamente, a partir de uma força dessa, já tenha uma formação democrática, voltada aos direitos humanos, para retirar totalmente essa cultura autoritária que vem do regime militar, inclusive, e está presente nas forças de segurança.

Fórum – E na sociedade civil, o que deve ser feito? Como seus diversos atores, movimentos e entidades devem se articular para forçar esse tipo de mudança?

Oliveira – É um debate bastante complicado. Na sociedade civil, ainda há uma hegemonia das ideias de que a violência se combate com mais violência, quando, na verdade, ela é produto de problemas sociais, estruturais da sociedade, e assim por diante. Então, a primeira coisa é ter uma ação da sociedade civil para mudar essa cultura. Por exemplo, na última campanha presidencial, tivemos a questão da redução da maioridade penal, levantada pelos candidatos conservadores, e, inclusive, partindo de uma premissa falsa, dizendo que muitos menores de idade cometem crimes hediondos. Os dados mostram que apenas 1% dos crimes hediondos é cometido por menores de idade – essa é, de fato, uma premissa falsa. Outra coisa que se diz, por exemplo, é que é aumentando as penas, as punições, que se resolve a violência. Os dados internacionais mostram que não é verdade: nem sempre os países com penas mais duras têm menores índices de violência, isso é um dado objetivo.

É necessário que haja uma discussão mais ampla, baseada em dados. A mídia corporativa, hegemônica, acaba tendo um papel muito importante nisso. Esses programas sensacionalistas da televisão e do meio impresso, por exemplo, acabam contribuindo para a formação dessa cultura. Repensar o papel da mídia também é importante.

Fórum – Por que, na sua opinião, é fundamental pautar e discutir a cultura de periferia neste momento?

Oliveira – Porque a gente precisa, de fato, inserir a periferia, em todos os aspectos – culturais, sociais e políticos – na sociedade. Essa sociedade fragmentada entre Casa Grande e Senzala, centro e periferia, que ainda vigora no Brasil, tem que acabar. Não é possível pensar uma sociedade democrática, justa, se continuarmos achando que a periferia é um gueto. O sujeito da periferia tem também um protagonismo cultural, uma proposta social e política, que são importantes e devem ser levados em consideração em uma sociedade democrática.

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