Deputadas e ministra indígenas são resultado de anos de luta coletiva

FONTEECOA, por Márcia Kambeba
17.abr.2023 - Sônia Guajajara falou durante um Fórum Permanente das Nações Unidas sobre Questões Indígenas, com foco em "Povos Indígenas, saúde humana, saúde planetária e territorial e mudança climática" - 17.abr.2023 - Michael M. Santiago/Getty Images/AFP 17.abr.2023 - Sônia Guajajara falou durante um Fórum Permanente das Nações Unidas sobre Questões Indígenas, com foco em "Povos Indígenas, saúde humana, saúde planetária e territorial e mudança climática" Imagem: 17.abr.2023 - Michael M. Santiago/Getty Images/AFP

A trajetória dos povos indígenas no Brasil sempre foi marcada por lutas, conflitos e resistências pela manutenção de seus territórios, sua cultura, ensinos e saberes ancestrais transmitidos pela oralidade de geração a geração.

Por anos, muitos povos silenciaram como estratégia de sobrevivência mas com o passar dos tempos foram emergindo, como quem emerge do rio, e reivindicando seus territórios e reconfigurando suas vivências em um novo cenário, novo século agora o XXI e passaram a se organizar em associações, federações para melhor lutar por seus direitos socio/políticos/culturais, pois sem o território não se pode continuar o legado deixado por nossos ancestrais.

Indígenas: entraves para o “progresso”?

O olhar lançado aos povos originários sempre foi de ‘entrave’. Por isso, eles eram expulsos de seus territórios — quando não eram mortos pelos invasores. Reduzidos, os povos indígenas se organizaram em movimentos nacionais, estaduais e municipais para lutar por políticas públicas num tempo em que continuam a ser vistos como atraso para o progresso e o crescimento demográfico das cidades.

Esse olhar de entrave para o progresso precisa mudar, pois, são em áreas de presença indígenas que estão o maior e mais rico espaço de biodiversidade. Biodiversidade que contribui para o equilíbrio climático do planeta.

Indígenas na cidade?

Precisamos lutar pelo direito ao território e a permanência dos povos de forma segura nas suas aldeias e também na cidade. Por que identidade não se desfaz pelo fato de sair da aldeia para buscar educação e trabalho na cidade. Nossa aldeia é memorial, simbólica e cultural e levamos conosco aonde quer que possamos ir.

Por isso, não existe uma “cara de índio”, existe uma identidade que nos torna pertencentes a um povo.

Associação dos Povos Indígenas do Brasil

Temos que valorizar a luta de nossos parentes e parentas desde o movimento indígena que surgiu nos anos 1970. Parentes que viveram um momento, a ditadura militar, em que era proibido fazer encontros para organizar melhor as estratégias de luta e ainda assim arriscavam e muitos sofriam as violências. Nasci em 1979, em aldeia chamada Belém do Solimões e tenho memórias contadas por minha avó que era atuante na aldeia que vivíamos. Na Amazônia, os povos estavam amedrontados pelos terríveis ataques a seus territórios e por isso, houve um longo silenciamento.

Já em 2005, no Acampamento Terra Livre, foi criada a APIB (Associação dos Povos Indígenas do Brasil). Hoje a APIB é uma referência nacional no Brasil. “Aldear a política” foi uma estratégia da APIB e o convite foi feito aos povos pelo Brasil e tivemos êxitos com a eleição de Sônia Guajajara, Célia Xakriabá, entre outras parentas que foram eleitas deputadas federais.

Não se pode esquecer que tivemos, antes desse movimento de “aldear a política”, a presença, no Congresso Nacional, de Mário Juruna.

Depois veio uma lacuna sem ninguém para substituir Mario Juruna que já havia falecido. Até elegermos Joênia Wapixana a primeira mulher indígena eleita deputada federal. Neste ano de 2023, mais uma vitória: foi criado o Ministério dos Povos indígenas e uma mulher foi convidada a ocupar esse espaço e novamente Sônia Guajajara é protagonista desse tempo histórico.

Minha experiência na política partidária foi em 2020, quando me lancei candidata a vereadora na capital do Pará, Belém, porque não havia (e continua não havendo) representatividade indígena que busque fortalecer políticas públicas em prol dos indígenas, que vivem em contexto urbano, que fortaleça a luta com os que vem da aldeia em busca de assistência médica e os que vivem na cidade e sobrevivem da cultura enveredando pelas linguagens da arte.

Precisamos fortalecer as identidades em comunhão com a forma de pensar o bem viver. Entendendo o valor e o peso da pena que carregamos no cocar. Interligando povos, fortalecendo as bases e fazendo com que associações, organizações, federações criem pontes, interligando-se no Brasil.

Temos espiritualidade, memória e história e tudo isso é herança ancestral de anos de convívio com a natureza. Nossos ancestrais também faziam política e uma das estratégias políticas usadas por todos os povos era e tem que continuar sendo a união dos povos. Mesmo entre os que se diziam inimigos, na hora de lutar contra os invasores eles uniam os arcos e as flechas. Que continuemos unindo os arcos e as flechas em prol de uma política indígena onde prevaleça o bem viver.

Márcia Kambeba é poeta, escritora, artista, fotógrafa, geógrafa. Palestra sobre povos indígenas e a importância do reconhecimento dos indígenas como contemporâneos – Imagem: Arquivo pessoal

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