Desejo coletivo

por Nei Lopes –

 

Durante este mês, especialmente na semana de 20 de novembro, o Brasil celebrou – com feriado, danças, festas, tambores, comidas “exóticas”, etc. – mais uma de nossas muitas efemérides, a da “Consciência Negra”. Mas ao contrario do Dia do Imigrante, do Imigrante Japonês, da Comunidade Luso-Brasileira, do Índio, da Liberdade de Culto, etc., essa é uma efeméride ainda meio obscura. Cujo sentido tentaremos, aqui, explicar.

 

O caso é que, durante mais de 300 anos, até por volta de 1850, vieram para o Brasil, forçados pela escravidão, mais de 4 milhões de africanos, os quais, com seus descendentes, constituíram a principal mão de obra na construção do Brasil, deixando marcas profundas no modo de ser do brasileiro e uma descendência que hoje representa mais de metade de nossa população.

 

O fim do escravismo, em 1888, aconteceu, principalmente, porque a Inglaterra estava preocupada em expandir seu mercado consumidor nas Américas. Como o escravo não tinha dinheiro, ele não comprava. E como não comprava, não interessava à Inglaterra. Então, o governo britânico pressionou o Brasil a acabar com o escravismo e incentivar o trabalho assalariado.

 

Mas a abolição da escravatura foi proclamada através de uma lei com apenas 1 artigo, que não se preocupou com o destino dos libertos. Eles eram livres para trabalhar, mas ninguém os queria. Assim, muitos ficaram nas fazendas, na mesma situação antiga; e a maioria deles, principalmente os do meio urbano, foi para a rua, supostamente livres, mas sem terra, casa, emprego, nem qualquer tipo de assistência.

 

Finda a monarquia, os governos da República preferiram incentivar a vinda de imigrantes, europeus para as indústrias e asiáticos para as lavouras, ocupando eles, nos postos de trabalho, o lugar dos africanos e descendentes abandonados pela Lei Áurea.

 

Nessa época, acreditava-se que os grupos humanos se classificavam numa escala que ia dos mais bonitos, saudáveis e inteligentes até o mais feios, doentes e ignorantes. Nessa escala, os “louros de olhos azuis” ocupavam o topo; e os “pretos”, a base. Dentro dessa ideia foi que se estruturou a nação brasileira. Por isso (e não por serem os descendentes de africanos menos capazes) é que até hoje quase não vemos negros (pretos e afromestiços) nas altas esferas do poder, como ministros, senadores, governadores, generais, juízes, etc. Os encontramos, sim, na “base da pirâmide”, e como maioria entre os marginalizados. E isso acontece porque, mais de 120 anos depois da Abolição, os descendentes de africanos continuam sem acesso a boas escolas, bons hospitais, boas condições de vida, não conseguindo, assim, boas oportunidades de trabalho e de sustento.

 

Consciência, todos sabemos, é sinônimo de discernimento; é percepção clara sobre o que se é, se faz ou se diz. “Consciência Negra”, então, é a reflexão sobre as razões que levaram e levam a essa desvantagem dos afrodescendentes no todo da sociedade brasileira, procurando soluções. É trabalhar para que todos compreendam a necessidade de termos um país onde as pessoas não sejam só “iguais perante a lei”, e, sim, respeitadas em suas singularidades, tendo todo o direito de expressá-las e demonstrá-las.

 

Consciência Negra não é “racialismo”, racismo, ou complexo de inferioridade. É apenas um desejo coletivo de, nós, negros, podermos ser o que somos, sem nos isolarmos, e sem odiar ou menosprezar quem quer que seja. É a vontade de, junto com todos, construirmos uma sociedade mais humana e mais justa, formada pelas contribuições de todos os povos que constituem a nação brasileira.

NEI LOPES é compositor e escritor.

Fonte: O Globo –

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