Sob aplausos de aproximadamente cem pessoas, Venilton Leonardo Vinci, 55, tornou-se, na quinta-feira (3), o primeiro detento do Estado de São Paulo a conseguir formação de nível superior exclusivamente em regime fechado. Formado em pedagogia, Vinci terminou o ensino médio atrás das grades e, graças a uma parceria com uma universidade que oferece a modalidade de ensino à distância, conseguiu o diploma. O próximo passo, segundo ele, é iniciar a pós-graduação.
Por Eduardo Schiavoni, do UOL
A cerimônia de colação de grau ocorreu na Penitenciária 1 de Serra Azul, presídio de segurança máxima no qual Vince é interno. “Só me resta agradecer. Primeiramente, a Deus. Depois, à direção desta unidade, que acreditou na educação e, principalmente, ao ser humano. Quero ser o espelho de uma nova realidade, pois hoje me torno um pedagogo”, disse ele, logo após receber o diploma e ser ovacionado por parentes, colegas de presídio e professores.
Segundo Vinci, o próximo passo é a pós-graduação. Ele já ganhou uma bolsa integral da instituição de ensino onde se graduou para continuar os estudos. Quero, no futuro, como protagonista da minha história, concluir uma pós-graduação, na área da educação. Também penso em dar palestras, pois acredito na superação e no exemplo acima de tudo”,disse.
Diretor da unidade prisional de Serra Azul, Reginaldo Araújo, acompanhou a cerimônia e não conteve as lágrimas. Ele conta que a unidade que comanda tem um projeto pioneiro no Estado, mas que Vinci foi o primeiro a conseguir a graduação. “Começamos com 13 alunos, mas alguns abandonaram o curso, ou deixaram a prisão. Tomara que ele motive os demais e sirva como exemplo”, disse.
História
Vinci conta que iniciou sua trajetória no crime antes mesmo da maioridade. Desde então, já tem passagens na polícia por roubo, furto, receptação, tráfico de drogas e homicídio. “Em 14 de agosto de 1979, pela primeira vez, perdi minha liberdade. Achei que era o início do fim. Sem sonhos, achei que tinha chegado ao fim”, contou ele.
A redenção, entretanto, começou em 2007, depois de sequentes entradas e saídas do sistema prisional, quando chegou a Serra Azul com uma pena de 30 anos a cumprir. “Tive a oportunidade de voltar a estudar e concluir o ensino médio e, em 2009, fui agraciado com a chance de ser monitor educacional contratado pela Funap e passei a alfabetizar outros presos”, disse ele, que chegou a aprender braile para ensinar um detento cego a ler e escrever.
Isso, conta Vinci, além de reduzir a pena – a cada 12 horas de estudo, um dia de pena pode ser deduzido – também fez com que ele descobrisse o dom da pedagogia. “Aqui descobri meu dom de ser professor, ensinei outros presos a ler e escrever “, disse.
Já o início da graduação ocorreu em 2010, através de um projeto que concedia bolsas de estudos do curso de pedagogia no Centro Universitário Claretiano, de Batatais, para detentos. Segundo o coordenador geral de ensino a distância da instituição, Evando Ribeiro, a bolsa cobria 50% do valor do curso, algo na casa dos R$ 260 em valores atuais.
Ele conta que, para possibilitar o estudo, um sistema foi desenvolvido para que Vinci pudesse acessar, pela internet e de forma restrita, os conteúdos. “Elaboramos um sistema que possibilitou que o Vanilton obtivesse os conhecimentos que necessitava e, uma vez por mês, um tutor ia até ele, na cadeia, para aplicar provas e complementar a formação”, conta. “Apesar de todos os esforços para realização do projeto, os méritos são do formando. Ele só conseguiu a oportunidade de ingressar em um curso superior pelo seu histórico dentro da penitenciária”, disse.
Prêmio
O UOL já havia feito uma reportagem sobre a história de detentos de Serra Azul que, por meio da educação a distância, começaram a ter suas realidades transformadas.
A matéria “Depois que comecei a estudar, não vejo mais grades, diz preso de SP que faz pedagogia”, da jornalista Camila Rodrigues, foi vencedora da categoria internet do Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos.