Detrás das palavras

Ainda acredito que a técnica – conjunto de bons procedimentos para a realização de algo – é atributo providencial em qualquer profissão. No meu caso, me esforço estoicamente para observar e praticar o melhor arranjo das palavras em cada frase. De forma semelhante, um pintor tem que conhecer a anatomia das linhas e a gramática das cores. O que distingue uma cozinheira boa de uma cozinheira comum é o repertório de técnicas que a primeira detém e põe nas suas panelas e frigideiras.

Por Fernanda Pompeu Do Yahoo

Mas houve um tempo em que pensei que a técnica era tudo. O pulo do gato, o salto para o sucesso, a excelência. Para que página eu olhasse, imaginava jogos de palavras. Procurava adjetivos inusitados para modificar substantivos: mar amarelo, céu finito, estrada líquida, dor alegre. Cheguei a construir um romance (assim o chamei) com formalismo exacerbado. Nele, expus palavras desconhecidas no dia a dia. Caprichei para dificultar cada frase. O resultado foi um fracasso retumbante! Desses em que a gente ouve o silêncio dos amigos e o sorriso dos inimigos. Passei dias e noites com o martelo da pergunta batendo nos pregos da cabeça: Onde foi que eu errei?

Foi a vida quem deu a melhor resposta. Também a mais prática, a mais simples, a mais exata. Ela me escancarou que o engano foi pôr a técnica acima dos sentimentos, supor que a forma antecedesse o conteúdo, e não o contrário. Pude enxergar que a busca obsessiva pela aparência quase embotou a autenticidade do mar azul, céu infinito, estrada de terra, dor que não se adjetiva. Foi no momento em que escrevi a palavra flor sem pudor, troquei o pomposo nós pela intimidade do a gente que leitores passaram a se comunicar comigo. Pois perceberam que eu falava para eles de coisas doídas, risonhas, excepcionais, bobinhas. Mas carregadas de sentimentos.

No último sábado, 25 de abril de 2015, perdi meu cachorro Chico. Ele foi meu companheiro cotidiano por 16 anos. Fiz as contas na calculadora: 5840 dias compartilhados. Hoje a presença, na casa e em mim, é a sua ausência. O sentir dessa perda – assim como ocorreu com a morte do meu pai e com desaparecimento de outros seres queridos – é a alma por trás da escrita. Alma que sussurra que o tamanho da dor corresponde à intensidade do amor vivido. Eis a confirmação de que técnica é procedimento. Essência são os sentimentos. Vá na paz, meu Chiquinho!

+ sobre o tema

Falta postura antirracista na esquerda, diz biógrafa de Sueli Carneiro

“Entre esquerda e direita, continuo preta”. Dita no começo...

50 anos sem Billie Holiday

Há 50 anos morreu Billie...

Justiça determina que governo do Rio pague pensão para família de Amarildo

Por: Douglas Corrêa Rio de Janeiro - A...

Pesquisa mostra que brasileiros usam a internet para se informar sobre política

Pesquisa do Instituto Ibope, divulgada nesta quinta-feira, mostra que...

para lembrar

Desvelar-se – Por: Fernanda Pompeu

Tirar o véu que nos protege. Mostrar-se para o que...

Trocando de janela

A maioria de nós acredita que mudar é bom....

Mar Amar

Mar Amar Pezinhos na areia fofa e molhada de água salgada...

Papo de manos

– Aí, o que vai rolar hoje à noite? Por Fernanda...

Fátima Oliveira dos 1000 Legados

Temos trabalho e prazer para muitas gerações Por Fernanda Pompeu em seu blog  Em 2005, tive a honra e o prazer de entrevistar a médica Fátima Oliveira (1953-2017)....

A vida é raçuda

Alvorada Acordar cedo é fonte de sofrimento para Celina Macunis. Toda vez que é obrigada a sair da cama antes das 10, vivencia a espantosa...

Luiza Bairros (1953-2016)

Morreu no 12 de julho 2016 a grande Luiza Bairros. Ela foi de tudo: ativista, professora, ministra. Gaúcha e baiana. O texto que segue...
-+=