Dez anos depois, Fórum Social Mundial volta a Porto Alegre para “redescobrir” suas origens

 

 

Dez anos depois da sua primeira edição, o Fórum Social Mundial (FSM) volta a Porto Alegre no final de janeiro para celebrar o que os organizadores chamam de uma nova cultura política na esquerda mundial. Mais enxuto e sem a presença massiva de participantes que caracterizaram as edições brasileiras do evento, o FSM de 2010 quer redescobrir suas origens.

“Não somos mais do contra. Hoje representamos uma alternativa concreta à globalização neoliberal”, sustenta Eduardo Mancuso, representante da coordenação-geral do Fórum Social no Brasil.

Criado em 2001 por uma série de organizações de esquerda – como partidos políticos, sindicatos e ONGs – para se contrapor ao Fórum Econômico Mundial que se realiza tradicionalmente no mês de janeiro em Davos, na Suíça, o FSM sempre se caracterizou pelo caráter combativo e militante. As duas primeiras edições foram realizadas em Porto Alegre, então administrada por sucessivos governos do PT.

Mas o gigantismo dos primeiros anos, quando a capital gaúcha chegou a abrigar passeatas com mais de 150 mil participantes, ficou para trás. Em vez de assembleias populares em ginásios e grandes espaços públicos, serão debates fechados para uma plateia máxima de mil pessoas. A edição deste ano também conta com o apoio da prefeitura municipal, administrada há dois mandatos pelo PMDB.

Na lista de convidados, destaque para personalidades do mundo acadêmico: a feminista peruana Virginia Vargas, o filósofo norte-americano Immanuel Wallerstein e o economista egípcio Samir Amin, entre outros. Todos intelectuais respeitados em seus meios e que vêm a Porto Alegre debater justamente uma nova agenda para a esquerda.

Não mais do que 4.000 pessoas de várias partes do mundo devem desembarcar na capital gaúcha para abrir a série de 30 encontros do FSM que se estenderão por vários cantos do mundo até janeiro de 2011. Nessa data, o Fórum volta a centralizar seus debates em um grande ato político marcado para Dacar, capital do Senegal (África).

“Uma das nossas grandes conquistas foi abrir a cabeça de uma esquerda mais ortodoxa e institucional que pensava em termos meramente nacionais e políticos”, avalia Mancuso. Para essa esquerda, a aliança com movimentos sociais e com administrações progressistas – mas não necessariamente socialistas – não faziam parte da agenda. Muito menos a valorização da sociedade civil que não está engajada num projeto político-partidário.

Além da internacionalização da agenda proporcionada nos últimos dez anos, essa nova esquerda, segundo Mancuso, começou a atuar em redes e em sintonia com os cada vez mais diversificados movimentos sociais – nos encontros do FSM há espaço para reivindicações de gênero, de cunho sexual, étnico, trabalhista, ecológico, religioso, cultural e, até, político.

Os encontros teóricos que buscam recolocar o Fórum “nos trilhos” vão ser realizados na capital, mas outras sete cidades gaúchas receberão programação do evento. Em Novo Hamburgo (45 km de Porto Alegre), o Acampamento da Juventude deve receber 5.000 participantes. Será a manifestação mais massiva do Fórum este ano.

São Leopoldo, também na região metropolitana, sediará o Fórum Mundial de Teologia e Libertação. Em Canoas, prefeitos de várias regiões do mundo discutirão política e, em Santa Maria, na região central do Estado, ocorrerá a 1ª Feira Mundial de Economia Solidária.

Acampamento
No Acampamento da Juventude, a ordem é resgatar os valores que orientam o Fórum desde 2001. “Abrimos demais o foco de abrangência. Algumas organizações que participam estão frontalmente contra a carta de princípios”, defende Alexandre Belló, da comissão organizadora do acampamento.

O local que vai abrigar os participantes, de 14 hectares, terá palco para shows e alimentação fornecida por produtores locais de agricultura familiar. Haverá preocupações com coleta de lixo e com a diversidade. Durante os sete dias de acampamento, que começa no dia 22 de janeiro, as trocas e compras serão orientadas pelo Mate – Moeda Social do FSM. Os acampados serão orientados por um manual.

A socióloga e feminista Virginia Vargas, convidada deste ano do FSM, diz que o evento é um espaço real de construção e ampliação de direitos. Ela valoriza o caráter descentralizado e não-oficial dos debates porque, segundo ela, eles impedem que o Fórum se transforme num evento de mobilização e de direcionamento dos movimentos sociais que o integram.

“Ninguém sai indiferente dessa troca entre as muitas experiências que propõem um mundo diferente. Não podemos falar de um Fórum apenas, mas de um espaço onde as iniciativas estão sempre se multiplicando”, destaca. Para ela, a grande riqueza do Fórum Social Mundial é justamente sua diversidade e a falta de uma diretriz centralizada.

Logo depois do Rio Grande do Sul, que realiza a primeira edição do FSM 2010 entre 25 e 29 de janeiro, o Fórum segue para Madri, Salvador, Praga e Stutgart. Também haverá reuniões e debates em locais tão distantes quanto Osaka, no Japão, e Niamey, no Níger. A agenda é extensa.

Correntes de esquerda

Dentro do próprio FSM, entretanto, ainda há espaço para algum vínculo com o passado recente: entre as presenças confirmadas para 2010 estão também a do coordenador-geral do MST, João Pedro Stédile, e a do ativista sindical francês Christophe Aguitton. A tradicional marcha de abertura também está confirmada.

Os dois convidados devem canalizar os debates mais vinculados a uma agenda militante, de combate ao capitalismo. Um grupo de críticos também tenta levar o evento de volta aos primeiros anos de passeatas e discursos inflamados. “O Fórum começou como um movimento importante de superação do neoliberalismo, mas perdeu força no Brasil porque o PT se mostrou parecido com seus antecessores”, fustiga a deputada federal gaúcha Luciana Genro, da direção nacional do PSOL.

Para ela, o saldo do Fórum nesses dez anos foi mostrar que existe uma outra esquerda “além do PT”, aglutinada em partidos como o PSOL e em vanguardas que ainda buscam a superação do modelo capitalista. A deputada citou as experiências de poder na Venezuela, no Equador e na Bolívia.

Para marcar a desconformidade do PSOL com a tática de “convivência pacífica do PT com o capitalismo apodrecido”, o partido vai realizar um debate durante o Fórum sobre a estratégia da esquerda na luta pelo socialismo. “A experiência brasileira só fortaleceu a necessidade de buscar outro caminho”, define.

Fonte: Notícias UOL

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