Dez anos do Estatuto da Igualdade Racial

A Lei Federal 12.288/2010, que instituiu o Estatuto da Igualdade Racial, surgiu a partir de uma viagem que fizemos à África do Sul em 1989. O grupo era composto por mim, Benedita da Silva, Edimilson Valentin, Domingos Leonelli, Carlos Alberto Caó e João Herman. Éramos jovens deputados, ainda em primeiro mandato. Fomos até lá exigir a libertação de Nelson Mandela.

A esposa de Mandela, Winnie, nos apresentou a Carta da Liberdade do Povo Sul-Africano contra o Apartheid, aprovada em Soweto, em 1955. O documento que tínhamos em mãos trazia esperança e novos tempos para a África e para o mundo: igualdade de direitos para brancos e negros, vida digna, trabalho justo, distribuição de renda.

Tínhamos que enfrentar o debate do racismo e das discriminações no Brasil. Conversamos com o Movimento Negro e com a sociedade. Coube a mim apresentar o projeto de lei do Estatuto da Igualdade Racial. Foram duas décadas de muitas negociações e amadurecimento. Eis que, em 20 de julho de 2010, o Estatuto foi sancionado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Essa lei é a mais completa norma jurídica para a promoção da igualdade racial. É um conjunto de ações afirmativas, reparatórias e compensatórias, que garante direito à saúde, à educação, à cultura, ao esporte e ao lazer; o direito à liberdade de consciência e de crença e ao livre exercício dos cultos religiosos. O texto prevê acesso à terra e à moradia adequada; o direito ao trabalho e aos meios de comunicação, entre outras.

O Estatuto da Igualdade Racial é bússola orientadora para diversas políticas de promoção da Igualdade Racial, como:

– A previsão “Do Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial”, com o fortalecimento das políticas da Secretaria de Promoção da Igualdade Racial (Seppir);

– O fortalecimento da Fundação Cultural Palmares é prevista fomentada na seção que trata “Da Cultura”;

– O apoio à área educacional é garantido na seção que trata “Da Educação”, com a previsão para a lei de cotas nas universidades (Lei n°12.711/2012);

– O reforço também à implantação da Lei 10.639/03, que prevê o ensino da história e cultura africanas em todos os níveis de ensino, medida que, até os dias de hoje, ainda é muito tímida;

– A previsão, no capítulo “Do Trabalho”, para a lei de cotas no serviço público federal (Lei nº 12.990/2014); e para a aprovação da lei complementar das domésticas (Lei nº 150 de 2015), que beneficiou muitas trabalhadoras negras.

– a perspectiva no capítulo “Do Financiamento das Iniciativas de Promoção da Igualdade Racial” para a PEC nº 33 de 2016, que cria o Fundo Nacional de Combate ao Racismo.

– A criação das ouvidorias permanentes e do acesso à Justiça e à segurança, cujo trabalho veio aquecer uma das comissões temporárias mais importantes do Congresso, a CPI do Assassinato de Jovens Negros, com a senadora Lídice da Mata (presidente), eu (vice-presidente) e o senador Lindbergh Farias (relator); a CPI apresentou o PLS nº 239 de 2016, que trata do fim dos autos de resistência.

Posteriormente, alinhado com o capítulo “Do direito à Educação, à Cultura, ao Esporte e ao Lazer”, apresentamos o PL nº 3462/2020, que cria o Auxílio-Conexão para assegurar o acesso dos estudantes integrantes de famílias de baixa renda à educação a distância. Também fundamentado nesse capítulo, elaboramos o PL nº 3.434/2020, que obriga a reserva de vagas para negros, indígenas e pessoas com deficiência em programas de pós-graduação.

De igual modo, foi o capítulo primeiro do Estatuto, “Do Direito à Saúde“, que nos impulsionou a apresentar recentemente o PL nº 2.179/2020, que combate as subnotificações. O projeto determina aos órgãos integrantes do SUS que registrem dados relativos a marcadores etnicorraciais, idade, gênero, condição de deficiência e localização dos pacientes por eles atendidos em decorrência de infecção pela covid-19.

E ainda por meio do Estatuto da Igualdade Racial, apresentamos o PLS nº 214/2010, que institui o Programa Bolsa de Permanência Universitária, no valor de um salário mínimo, destinada a alunos carentes matriculados nas universidades.

Colocar em prática o Estatuto da Igualdade Racial é fazer o bom combate para mudar a perversa realidade que atinge a população negra brasileira. Enquanto houver racismo, não haverá democracia. Vida longa ao Movimento Negro Brasileiro.

* Senador (PT/RS), é presidente da Comissão de Direitos Humanos do Senado e autor do Estatuto da Igualdade Racial

+ sobre o tema

O racismo inverso existe e precisa ser combatido

Mais uma vez falando sobre racismo, mas dessa vez...

Está na moda ser preto, desde que você não seja preto

É bem comum encontrar nas redes sociais algumas pessoas...

para lembrar

O racismo inverso existe e precisa ser combatido

Mais uma vez falando sobre racismo, mas dessa vez...

Está na moda ser preto, desde que você não seja preto

É bem comum encontrar nas redes sociais algumas pessoas...
spot_imgspot_img

Justiça para Herus, executado em festa junina no Rio

Não há razão alguma em segurança pública para que Herus Guimarães Mendes, um office boy de 23 anos, pai de uma criança de dois...

Em tempos de cólera, amor

Planejei escrever sobre o amor numa semana mais que óbvia. Eu adoro esta data capitalista-afetiva que é o Dia dos Namorados. Gosto que nossa...

Lula sanciona lei de cotas para negros em concurso e eleva reserva de vagas para 30%

O presidente Lula (PT) sancionou nesta terça-feira (3) a prorrogação da lei de cotas federais, que passa a reservar 30% das vagas para pretos e pardos em concursos...