Rappers celebram bom momento do hip hop nacional e falam sobre expectativa para o futuro. “As pessoas estão escutando rap de outra forma”, comemora Rashid
Hoje em dia, não é difícil encontrar um grupo de jovens ouvindo sucessos do hip hop em bairros de classe média/alta por todo o Brasil. O que antes era “som de favelado”, agora é um dos carros-chefe da música popular brasileira para o mundo.
Natural da zona norte de São Paulo, Emicida, 28 anos, que cresceu cercado de bailes black, organizados pelos seus próprios pais nas periferias paulistanas, é um dos grandes responsáveis por essa evolução e aceitação do movimento como um estilo de música.
Hoje conhecido em todo o Brasil, o MC segue acreditando ser fundamental que o rap não vire as costas para suas origens. Em entrevista ao Terra, o rapper deixou claro que enxerga o movimento como uma arte que deve ser livre. “Eu acho que o rap tem no seu DNA esse caráter de protesto e de expor os problemas sociais. Mas eu acho também que a arte precisa ser livre, o rap não tem que ter nenhuma amarra, até porque, se não for assim, o discurso esvazia, as pessoas deixam de prestar atenção à mensagem quando ela se torna repetitiva. Ele historicamente é um gênero que dá voz ao cotidiano da quebrada. Volto a dizer, precisa ser livre pra chegar o mais longe possível, e tem chegado a outros públicos, mas ser a voz da periferia é um orgulho, não quero nunca me desconectar dela, quero é que a realidade dela melhore mais e mais sempre”, disse ele.
Outro responsável por essa expansão do estilo é Rashid, 26 anos, natural de Artur Alvim, zona leste de São Paulo. Em entrevista ao Terra, o jovem rapper, que despontou para o público em meados de 2010, lembrou de como começou sua relação com o hip hop. “Meu interesse pelo rap surgiu um pouco antes de eu me mudar para Minas. Nessa época (que eu comecei a ouvir rap) estava morando na zona leste de São Paulo, em Artur Alvim. Ouvia na escola, ia na casa dos meus primos e a gente escutava uma coisa ou outra juntos, e foi aí que eu comecei a me ligar o que era Racionais e tudo mais, o que a gente achava que era rap mas, na verdade, não sabia direito o que era”, lembrou.
Rashid viveu em uma região bastante interiorana de Minas Gerais, perto da cidade de Lavras, entre os 13 e os 17 anos, mas nem isso o afastou do universo urbano do rap. “Por incrível que pareça, muita gente curtia rap lá também. Fiquei lá quatro anos e meio e, durante esse tempo, o rap que chegava lá era o rap que tocava no rádio aqui”, afirmou.
“Voz das periferias”, rap enfrentou preconceito durante os anos
O hip hop começa a ganhar espaço no Brasil no final dos anos 1980, quando grupos de jovens vindos das periferias de São Paulo se reuniam no centro da capital para fazer batalhas de MCs. Na época, no mesmo local, surgia o movimento punk. Por conta de vir das favelas e ser predominantemente negro, o estilo foi rejeitado por anos pelo grande público, especialmente em seu início.
O rap começa a ser mais reconhecido como estilo de música nos anos 1990, com a explosão do nome mais bem-sucedido do movimento no Brasil, os Racionais. O grupo serviu de grande influência para nomes que viriam nos anos seguintes, se tornando referência no universo do rap. O que é até hoje, como explica Rashid.
“Os caras que me fizeram querer cantar rap foram os Racionais e não tenho nenhuma dúvida disso. Acho que 90% das pessoas (que fazem rap) no Brasil responderiam isso, é uma realidade. Não tem como fugir disso. Foram eles que me fizeram ter vontade de cantar”, confessou.
Os Racionais, no entanto, não foram os únicos a servirem de inspiração para o rapper, que consegue lembrar de outros nomes. “Os caras que colocaram na minha cabeça que eu poderia viver dessa parada, foram os que vieram nessa geração pós-Racionais, os caras que vieram antes da gente. O SP Funk também, porque nas letras eles sempre falavam coisas como “eu vivo rap 24 horas por dia”, e colocaram na minha cabeça que, de certa forma, era possível viver de rap”, lembrou.
Vivendo, talvez, o grande momento de sua trajetória no Brasil, o rap é hoje um estilo de música popular. Com a garra que lhe é característica, conquistou seu espaço “na marra”, lotando casas de show em todo o Brasil e faturando prêmios de diversos tipos. Um dos artistas mais populares desse momento, Rashid acredita que a veia eclética dos músicos que formam o movimento foi fundamental para a expansão do estilo. “Todos os caras do rap, sem exceção, ouvem vários estilos de música. No último CD dos Racionais, por exemplo, o Mano Brown fala muito sobre Marvin Gaye. O rap sempre foi feito de influências externas. E eu acho que é essencial. Assim como o hip hop americano, onde você vê o Snoop Dog cantando com o Willie Nelson, por exemplo. Para você dar esse respiro para a sua música é essencial abraçar outras coisas”, disse.
O músico também acredita que essa união com outros estilos é fundamental para que o hip hop conquiste cada vez mais espaço. “Eu cantei em um show com o Almir Guineto. Vi o público dele aplaudindo um rapper que talvez eles nem fossem atrás se tivessem que pesquisar um vídeo no YouTube. É essencial mesmo, para mostrar a outra face do rap”, finalizou.
“Rap é instrumento de comunicação direta”, afirma BNegão
Natural do Rio de Janeiro, BNegão, 40 anos, vem de outra época. O cantor ganhou destaque junto ao Planet Hemp, conjunto que também revelou Marcelo D2 para o Brasil. Lá, o rapper falava sobre temas que, se hoje são discutidos, mesmo que minimamente, na época eram verdadeiros tabus, como, por exemplo, a legalização da maconha. Mas não somente isso. O Planet Hemp também inovou com seu som, naturalmente pesado, com fortes influências do punk rock, reggae, samba, hard rock e música latina.
Em conversa exclusiva com o Terra, o músico falou sobre suas principais influências: “o primeiro rap nacional que eu ouvi na vida foi Corpo Fechado, da dupla de mestres Thaíde & Dj Hum (letra que eu sei de cor até hoje) e na sequência, logicamente, Código 13, MC Jack e O Credo. O ano era 1988, e o disco era o hoje lendário Hip-Hop Cultura de Rua“, lembrou.
Sua história com o rap, no entanto, começou antes, quando o cantor carioca mergulhou no universo da black music americana. “Eu já ouvia bastante rap desde 1984. Primeiro na intro de I Feel For You, da Chaka Khan, depois vendo o filme Beat Street, e em 1987 com Run DMC, Beastie Boys e LL Cool J, e tentava cantar aquelas palavras do meu jeito, mas ouvir aquilo, feito em português, me influenciou de tal forma que me trouxe até onde eu estou nesse momento”, celebrou.
Ao ser questionado sobre como enxerga a posição da rap no Brasil, BNegão afirmou que vê o estilo como uma música capaz de “mudar vidas”. “O rap é um importante instrumento de comunicação direta entre as pessoas, e o rap nacional é de fundamental importância social, seja para quem faz, como também pra quem ouve. A minha vida e a de milhares de pessoas foram influenciadas por esse movimento. E espero que ele siga assim, como instrumento de transformação, mudança e diversão, até o final dos tempos. Viva o rap nacional!”, finalizou.
Cada vez mais eclético, popular e democrático, o rap segue seu caminho com um futuro promissor, se firmando como um dos estilos de música mais importantes do Brasil. Seja nas periferias, nos centros, sertões ou zonas rurais.
Fonte: Terra