Nesse texto, mais do que em outros, pretendo me posicionar na primeira pessoa em virtude de se tratar de uma crônica sobre a presidenta da república num momento delicado da vida do país. Nessas ocasiões, quem tem opinião deve manifestá-la sem temer a possibilidade de desagradar a alguns – risco próprio de quem socializa suas ideias.
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Sem dúvida que há uma frustração generalizada em diversos segmentos em virtude da opção escolhida pelo governo Dilma para combater a crise econômica – em especial o baixo crescimento econômico. A ortodoxia econômica que vem sendo adotada, em linguagem explicativa, equivale a assar um leitão, mas queimando toda a casa junto. A ortodoxia traz esse veneno em sua terapia: para cumprir suas metas provoca recessão, desemprego, perdas trabalhistas e sofrimentos; em especial aos mais necessitados. Esse tipo de política, presentemente, está sendo duramente questionado na Europa: Grécia, Espanha e Portugal que o digam.
Todavia, grande parte dos que clamam contra Dilma, contraditoriamente, não é contra as práticas da ortodoxia econômica, como o grupo MBL (Movimento Brasil Livre) de perfil neoliberal. Não se trata de uma contradição qualquer. Mais: ela traz em seu bojo outras nuances. O remédio que vem sendo aplicado é o que a presidente, enquanto candidata, jurara não aplicar. Agora, alguns dos defensores daquelas ideias se posicionam contra Dilma! Por certo na carona dos descontentes com as políticas de cunho ortodoxo que o partido da presidenta – o PT – jura não ser defensor. Há contradições aí para todos os gostos. A verdade, porém, é que Joaquim Levy, o todo poderoso ministro da fazenda (ex-diretor do Bradesco), opera com liberdade as políticas que o PT desconjura.
Contra a ortodoxia econômica há a alternativa heterodoxa em que os remédios se alternam de forma a fazer os ajustes econômicos sem perder de vista o fim último da economia que é beneficiar a vida das pessoas e não, como num processo orgástico, dar satisfação a tecnocratas que operam com metas obsessivas sem lastro com a realidade social, histórica e econômica dos países.
Entretanto, o que nos importa aqui são os atos anti-Dilma que se multiplicarão país afora no dia 15.
Fascistas de Jeans
Dois jovens do Movimento Brasil Livre (MBL), um de 19 e outro de 31 anos, em artigo recente publicado na Folha de São Paulo (9/3), conseguiram a façanha de escrever uma peça em que a palavra justiça ou injustiça não foi usada uma vez sequer. Falam em homicídios em série, mas não lamentam e nem reconhecem que os mortos são jovens como eles e em sua grande maioria negros. O motor que sempre moveu a energia dos mais jovens ao longo da história foram as injustiças, as carências dos mais necessitados, a liberdade, o amor etc. Intriga-me ler um discurso de dois jovens que fala na alta carga tributária do país, mas não reclama das políticas inadequadas implementadas com os recursos da arrecadação. Agridem Dilma chamando-a de “gerentona” em um país em que a gestão é ruinosamente machista – apenas 6% dos membros dos conselhos de administração são compostos por mulheres. Essa baixa participação se dá num país onde as mulheres têm melhor escolaridade do que os homens; como atestam todos os estudos feitos nesse campo! Todos e todas têm o sagrado direito de protestar e se posicionar como quiserem, como esses jovens. Por esse direito a minha geração enfrentou a ditadura militar, quando alguns foram mortos. Entretanto, soa muito estranho para mim quando um jovem de apenas 19 anos, que vive num dos países mais desiguais do planeta, reclama do tamanho do estado e não diz nada sobre sonhos. Sonhar, por exemplo, em propiciar escola infantil de qualidade para todas as crianças.
O Brasil de carne e osso parece ser algo distante para esses jovens e pelo visto não vão dar conta de decifrar o Brasilzão, podendo, como muitos outros, desistir; acabando por pousar em Miami. Para esses brasileiros desistentes tenho dito: já vão tarde. De fato são desnecessários.
Temer o Temer
O professor Bresser-Pereira (FGV-SP) em entrevista recente se referiu a um suposto ódio dos ricos ao PT. Esse fenômeno ocorre mas não explica a fúria anti-Dilma. Por outro lado, petistas também detestavam FHC e seu governo e clamaram com o “Fora FHC”. Depois, não se deve esquecer: os mais ricos – os banqueiros – nunca ganharam tanto dinheiro como nos governos do PT. As raivas são difusas como a que alguns corintianos sonham espancar palmeirenses e vive-versa.
O que eu sempre notei, já no primeiro mandato, é que o mundo empresarial, determinantemente masculino, nutre uma birra ideológica, não contra o governo em si, mas contra a figura forte da ex-ativista Dilma Vana Rousseff. É como eles se vingam: “a economia é capitalista e nós não investimos”. De repente tem-se um fastio empreendedor de forma que se trava o crescimento do PIB. Empresários fazem assim porque podem fazer. Não é por outro motivo que um economista com o perfil de Levy dá as cartas no Ministério da Fazenda. Ele não é um estranho no ninho apenas, mas também o preço (muito alto) a ser pago a um mercado que “peita” uma mulher cuja personalidade é reconhecidamente forte. “Guerrilheira”, como alguns a rotulam. Um senador já avisou: quer vê-la “sangrar”!
Isso não significa que acertos sejam de fato necessários para a economia deslanchar. Sabe-se que nem tudo está a mil maravilhas no governo, mas daí clamar-se por impeachment é deslavado exagero. O segundo mandato está apenas começando e Dilma tem quase 4 anos para ajustar e avançar com pleno êxito.
Confundir Dilma Rousseff com Renan Calheiros e Eduardo Cunha, como vi em diversas falas e artigos, é grosseria e desconhecimento. Os parlamentares citados são do PMDB, partido de Michel Temer, vice-presidente da república e que substituiria Dilma num eventual impeachment…
O que Dilma tem a seu favor não é de cunho partidário. Sua biografia é quem diz de seu caráter e sobretudo de seu compromisso com a mais legítima causa nacional.
Todos aqueles que têm experiência na luta contra os preconceitos e discriminações decifram sem muita dificuldade a razão dos exageros que alguns sofrem. Numa perspectiva semelhante o mesmo se dá com Barack Obama – presidente negro que também tem “sangrado” na mão dos republicanos racistas nos Estados Unidos. É absolutamente legítimo criticar, protestar e propor mudanças de rumo – são direitos existentes em uma democracia dos quais não quero abrir mão. Todavia, nota-se um plus nos protestos contra a presidenta Dilma Rousseff que é de fundo definitivamente machista e que vem bem mascarado no meio do bolo – introjetado na alma do Brasil profundo. Quem desejar saber quão profundo é; busque conhecer os escabrosos relatórios de violência contra a mulher no País. Observem os adjetivos absurdos “gastos” contra a presidenta em algumas manifestações, como se viu na Copa do Mundo. Homens raramente enfrentam tais xingamentos em igual intensidade. Essas violências já banalizadas contra as mulheres estão impregnadas na cultura do Brasil real e precisam ser revertidas.