Direitos humanos, segurança pública e o brasileiro médio

 
 
MIKE STUCIN  
 
“Bandido bom é bandido morto!”
“Direitos humanos para humanos direitos!”
“Por que não se preocupam com os direitos humanos das vítimas?”
 
As frases acima são recorrentemente ventiladas Brasil afora, repetidas por compatriotas de todas as etnias, classes sociais, orientações sexuais e religiões.
 
Infelizmente, esses jargões, que soariam como piada para o resto do mundo (ou como plataforma de governo da Ku Klux Klan nos EUA), são parte do pensamento comum de muitos brasileiros.
 
Afinal, por que se sabe tão pouco sobre direitos humanos no Brasil? Por que são considerados os grandes “culpados” pela crise de segurança pública que assola o país? Essas frases têm algum fundamento? Abaixo, o texto responde essas perguntas e põe alguns pingos nos “is”.
 
Os “doutrinadores” leigos de direitos humanos
 
Os direitos humanos são uma disciplina da ciência jurídica (o direito). Portanto, estamos falando de uma disciplina universitária, abordada também em mestrados e doutorados. Portanto, para falar de DHs, é necessário, antes de mais nada, estudar!
 
Contudo, o brasileiro médio ouve falar de direitos humanos por duas vias principais, ambas não sérias: ou pelos jornais sensacionalistas ou pelos filmes de ação norte-americanos, nos quais Chuck Norris e companhia limitada são os heróis e os defensores dos direitos humanos, quando aparecem, são quase vilões.
 
É verdade que os defensores de direitos humanos no Brasil, bem como algumas associações afins, costumam ter uma falha comum: eles se fecham em seus estreitos círculos acadêmicos; não costumam se manifestar contra os ataques perpetrados por esses jornalistas de linha reacionária, tão equivocados em termos acadêmicos (é como colocar um açougueiro para falar de cardiologia), mas igualmente tão carismáticos e persuasivos à população em geral.
 
O Estado, por sua vez, que deveria ensinar em suas escolas noções gerais de direito (inclusive DHs), de justiça e de organização estatal, mal consegue tirar os seus estudantes do analfabetismo funcional.
 
Quando um Estado democrático de direito não ensina ao povo a importância da democracia, do voto, dos direitos humanos, entre outros, o próprio Estado passa a correr riscos, haja vista que a consolidação de suas instituições passa necessariamente por esse processo de conscientização da população, o que ainda é muito incipiente no Brasil.
 
O trabalho que esses jornalistas de linha reacionária têm feito para demonizar os direitos humanos, com a colaboração passiva dos próprios defensores dos DHs e do Estado brasileiro, é nefasto, é um desserviço ao Brasil.
 
Os DHs foram transformados no grande bode expiatório pelo caos da segurança pública que o Brasil tem enfrentado nas últimas décadas. E, como será demostrado a seguir, essa associação forçada não se sustenta.
 
O caos da segurança pública e os DHs
 
Se hoje a violência está fora dos padrões do que é considerado aceitável, não é por excesso de DHs, mas é pela longa ausência do Estado e dos DH nos rincões de pobreza deste país!
 
Quando o Estado se afasta de uma comunidade pobre, surge, com o passar do tempo, alguma forma paralela de poder. Assim, se hoje o Comando Vermelho existe, é porque o Estado do Rio de Janeiro não esteve presente nos morros cariocas por décadas; se o PCC existe, é porque o Estado de São Paulo esteve ausente de seus próprios cárceres.
 
Se o Estado tivesse se preocupado em mitigar essa vergonhosa desigualdade social, a criminalidade certamente não estaria tão alta como está hoje.
 
Pesquisas mostraram, há alguns anos, que, para cada morte violenta no rico bairro paulistano de Moema, 180 acontecem no vizinho pobre, o Grajaú.
 
O pobre sofre mais com a violência. E essa violência nasce da ausência do Estado nessas comunidades carentes.
 
Como não há policiamento efetivo e em parceria com as comunidades (nos moldes do que foi feito em Boston nos anos 90), os moradores se sentem duplamente ameaçados, seja pelos bandidos locais, seja pelos policiais, muito mal pagos e mal treinados.
 
Como não há Poder Judiciário presente nesses rincões de pobreza, quaisquer desavenças entre os moradores tendem a ser solucionadas pela justiça privada, ou seja, pelas próprias mãos. Assim, simples questões que poderiam ser resolvidas por um mediador ou um juiz de direito se tornam imbróglios terríveis, que terminam, muitas vezes, de forma violenta.
 
Como não há SEBRAE e afins nessas comunidades, com seus projetos de estímulo ao empreendedorismo, a economia desses lugares não se desenvolve. Sem empresas por lá, há menos empregos. Com mais desempregados, a possibilidade de haver mais criminosos aumenta consideravelmente.
 
Como não há educação de qualidade, seja para qualificar a mão-de-obra, seja para formar cidadãos, as pessoas dessas comunidades têm menos estabilidade em seus empregos, dada a pouca especialização do seu trabalho. Por outro lado, por não serem cidadãos plenos, já que não conhecem os seus direitos, tendem a ser explorados enquanto empregados e ludibriados enquanto consumidores.
 
Como não há saúde de qualidade, esses miseráveis não têm sequer o “direito” de ficar doentes.
 
Como não há Estado nesses lugares, alguém cria uma forma alternativa de poder em benefício próprio. Esse alguém se aproveita da miséria e da ausência do Poder Público para lucrar com essa desgostosa situação. Esse alguém às vezes é traficante, outras vezes é miliciano. Quem se dá mal, mais uma vez, é o pobre!
 
A nossa prepotência
 
A prepotência que nós da classe média temos para com os mais pobres é tamanha que muitas vezes sequer percebemos isso. O governo é sempre o grande culpado de tudo, como se não fosse eleito pela própria sociedade.
 
Na verdade, nós não estamos muito preocupados com os pobres. Nós nos lembramos deles apenas quando um pouco da violência das favelas chega até nossas casas.
 
E, quando chega até nós, não discutimos seriamente o assunto: simplesmente culpamos os direitos humanos e pedimos para o Estado uma solução à moda Rambo.
 
A questão é que para cada morto pela polícia, dois novos bandidos surgem. Isso porque esse problema, em longo prazo, não se resolve com Rambos, mas com direitos humanos e com a presença do Estado nas favelas, nos moldes ditos acima.
 
Direitos humanos e segurança pública não são antagônicos; são, sim, complementares.
 
E, para aqueles que dizem que os DHs impedem a polícia de trabalhar, deve ser lembrado que policiais, assim como quaisquer outros funcionários públicos, não estão acima da lei, e, portanto, precisam ser controlados, fiscalizados no exercício de suas funções, o que é feito por essas associações de DH.
 
Por outro lado, esses mesmos policiais, mal pagos e mal treinados, não podem ser considerados, assim como os DHs, únicos e grandes culpados pelo problema da violência nesse país. O problema da segurança pública nunca será solucionado apenas com o aparato repressivo do Estado! É preciso, como já dito, muito mais por parte do governo, que abandonou as favelas há muito tempo!
 
Os principais culpados por este caos na segurança pública são os governantes, que não se preocupam com os pobres. E eles, por sua vez, são eleitos por nós, que não nos importamos com os pobres. É, portanto, um lamentável círculo vicioso, no qual quem se dá mal, mais uma vez, é o pobre!
 
 
 

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