Vivaldo Barbosa, ex-deputado federal e professor da Unirio
Estabeleceu-se forte polêmica por ocasião da discussão e sanção da lei das cotas, recentemente. É uma discussão que continuará no seio da sociedade brasileira, mais até do que no ambiente político. Uma grande evolução aconteceu no pensamento da humanidade nos anos últimos anos. É da tradição universal a reparação e indenização de guerra, sempre impostas aos vencidos pelos vencedores, desde as primeiras eras dos povos. Mas indenização em virtude de massacres sobre grupos sociais ou étnicos somente está sendo concebida devido à forte luta dos judeus pela reparação e indenização em face do holocausto sofrido por eles durante o regime nazista de Hitler.
O holocausto dos judeus durou aproximadamente dez anos. O holocausto dos nossos irmãos negros durou cerca de trezentos anos de escravidão! O Brasil, os Estados Unidos, outros países da América Latina, da América Central e do Caribe têm o dever de reparar a escravidão que vitimou suas populações negras. Muitos vão objetar com inquietação: como fazer?
Aqui no Brasil, com a abolição da escravatura pura e simples, nossos irmãos negros foram largados sem trabalho, sem assistência, sem casa, sem comida. O Brasil era uma das sociedades mais atrasadas do mundo no século XIX. Sem casa e sem terra, os ex-escravos subiram os morros para sobreviver em humildes barracos. Há maneiras até simples de repararmos este grave erro histórico.
O Estado brasileiro tem de propiciar escola de graça para todas as crianças e todos os jovens negros, em todos os níveis, do primário à universidade. Agora, a lei de cotas já reserva vagas em todas as escolas para nossa população de origem africana. Onde não houver educação pública, o governo federal há de arcar com os custos das matrículas em escolas particulares, em qualquer nível. Cada família há de ter uma casa, por mais simples que seja. Residência digna para cada família é a recompensa necessária para quem foi jogado ao léu, sem eira nem beira, como diziam os antigos portugueses.
Cada irmão ou irmã nosso negro há de ter garantido um emprego, como compensação a quem se livrou de um sistema de trabalho e produção escravo, mas que foi jogado no mercado sem a mínima condição de disputar posições. E que em seguida assiste à chegada de italianos, alemães e outros europeus preparados para ocupar posições que nossos irmãos ex-escravos com eles não podiam competir. Nem com os brancos que aqui já viviam, que tiveram escolas e herdaram as melhores posições.
Simplesmente, educação, casa e trabalho para reparar e indenizar o holocausto de 300 anos de escravidão.
Fonte: Jornal da Ciência