Dois jornalistas

Por: JUDITH BRITO

 

Por razões trágicas, dois jornalistas, ambos defensores da liberdade de expressão, têm estado em pauta nos últimos dias


O cartunista Glauco, assassinado brutalmente no dia 12 de março com seu filho, dedicou-se por mais de 30 anos a uma das formas mais criativas de jornalismo. Foi um artista capaz de expressar, em simples desenhos de simples traços, ideias que renderiam muitos textos.

Irreverente, irônico, básico (no melhor sentido da palavra), inteligente, doce -esses foram alguns dos termos usados pelos que conviveram de perto com Glauco e com seu trabalho. Suas expressões politicamente fortes refletidas em linhas frágeis e soltas sugerem que Glauco seguiu a máxima de endurecer, mas sem perder a ternura jamais. Tornou-se a cara do jornal que foi sua casa por décadas, a Folha de S.Paulo, e ajudou a Folha a desenhar a sua própria cara.

Glauco foi um defensor da liberdade de expressão que usou como arma o poder corrosivo da arte. A democracia brasileira foi construída por muitas mãos, inclusive pelas mãos desse grande cartunista.

Entre tantos que lamentaram a sua morte, o próprio presidente Lula disse: “Glauco foi um grande cronista da sociedade brasileira, entendia os usos e costumes da nossa gente e expressava isso com inteligência e humor.

Fiquei triste com a notícia de sua morte e chocado com as circunstâncias inaceitáveis que também levaram seu filho Raoni. Foi uma perda tremenda. Diante dessa verdadeira tragédia, quero expressar meu sentimento de pesar a familiares, amigos e admiradores”.
Outro jornalista, o também psicólogo cubano Guillermo Fariñas, tem estado em pauta pela defesa da liberdade de expressão em seu país. Desde 25 de fevereiro, Fariñas está em greve de fome para protestar pela morte do preso político Orlando Zapata e contra as prisões de outros dissidentes políticos mantidas pelo governo castrista.

Fosse Cuba uma democracia, Fariñas e os prisioneiros de opinião estariam manifestando suas convicções políticas de outras formas, alguns por meio de textos e imagens -inclusive divertidos cartuns- nos meios de comunicação independentes, outros em organizações partidárias legítimas, que estariam submetidas ao escrutínio popular, dentro da saudável alternância de forças políticas.

No entanto, a respeito da grave situação em Cuba, o presidente Lula declarou que as prisões são feitas com base na lei cubana e que “greve de fome não pode ser utilizada como pretexto de direitos humanos” para libertar presos. “Imagine se todos os bandidos presos em São Paulo entrarem em greve de fome e pedirem liberdade”, acrescentou Lula.

A morte de Glauco foi uma fatalidade que infelizmente não pudemos evitar. Seu algoz, já detido, deverá ser julgado e receberá a penalidade que for decidida pela Justiça.

A de Farinãs não será uma inevitável fatalidade, mas a crônica de uma morte anunciada. Se ocorrer, o fato só agravará a já deteriorada imagem do regime cubano.

É conhecida internacionalmente a censura à blogueira Yoani Sánchez, autora do “Generación Y”, onde manifesta suas posições críticas ao governo. Segundo a Sociedad Interamericana de Prensa (SIP), entre os detidos em Cuba estão 27 jornalistas independentes, que cumprem sentenças de até 28 anos de prisão em condições deploráveis.

No passado, talvez fosse fácil ocultar arbitrariedades de regimes autoritários. Hoje, é muito difícil, talvez impossível -o que nos torna um pouco responsáveis ou até cúmplices de tais situações.

Não é possível ignorar ou, pior, negar a diferença gritante entre os crimes contra a vida e as simples -e legítimas- manifestações de opinião, como as que Glauco criou e com as quais nos presenteou durante tantos anos.

 

 

Fonte: Folha de S.Paulo

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