A dor de ter uma filha que se corta

Um comovente relato da T.:

A dor de ter uma filha que se corta
A dor de ter uma filha que se corta
Sou leitora assídua do blog, e o post “Alternativas para não se machucar”, sobre self-harm [auto-mutilação], me tocou profundamente.
Tenho uma filha que está saindo da adolescência e entrando na fase adulta. Com todas aquelas dúvidas, curiosidades e frustrações que competem à fase.
A dor de ter uma filha que se corta
A dor de ter uma filha que se corta
Ela sempre foi muito tímida, e vou te confessar que não facilitei. Meu casamento com o pai dela foi péssimo e eu tenho consciência que o inferno que eu vivi durante seis anos, ela viveu em dobro. Também tenho consciência da barra que ela sofreu longe de mim, quando eu tive que correr atrás de emprego, de faculdade, e da vida que eu não tive oportunidade de viver.
A dor de ter uma filha que se corta
A dor de ter uma filha que se corta
Não sei se por isso, ou se por outro motivo que não vou conseguir entender, ela sempre foi uma menina muito reservada. MUITO.
Eu tentei respeitar esse lado dela, tentava não ser tão invasiva. Quando ela não queria conversar, eu me calava, quando ela não queria compartilhar os sentimentos, eu respeitava. Parecia que o problema era mais comigo. Eu me incomodava muito com a situação, mas ela não demonstrava tristeza ou melancolia, parecia que só queria ficar sozinha. E eu respeitei.
A dor de ter uma filha que se corta
A dor de ter uma filha que se corta
Mas as coisas começaram a sair um pouco do controle e a aparente timidez começou a dar lugar a uma certa irritação dela com o mundo. Parecia que ela tinha raiva da nossa casa, raiva de mim, raiva até da comida que eu colocava na mesa. Cada vez que eu tentava chegar perto, a irritação aumentava e ela se fechava ainda mais.
A dor de ter uma filha que se corta
A dor de ter uma filha que se corta
Até que um dia, ela quis sair de casa e eu não permiti. Ela não tinha emprego, não tinha onde morar e eu não tinha condições financeiras de bancar isso tudo (nem acho que seja obrigação minha). Argumentei que daria todo o apoio que eu pudesse, desde que ela tivesse um plano. Ela faz faculdade, e era só questão de tempo pra que ela conseguisse um estágio e pudesse se bancar. Essa discussão foi extremamente exaustiva, inclusive fisicamente, e durou a noite inteira.
A dor de ter uma filha que se corta
A dor de ter uma filha que se corta
Na manhã seguinte, fui até o quarto dela pra ver como estava. Foi quando vi seus braços completamente cortados. Foi uma cena horrível. A primeira coisa que me passou pela cabeça foi que ela tenha tentado se matar. Imediatamente levei minha filha até o hospital e finalmente eu fui apresentada a essa coisa horrível, misteriosa e sufocante chamada self-harm. Descobri também que ela já tinha feito isso antes.
A dor de ter uma filha que se corta
A dor de ter uma filha que se corta
Já tinha lido alguma coisa a respeito e eu era dessas que achava isso uma tremenda falta do que fazer. Eu tinha o maior preconceito do mundo contra essas meninas: “Mas que absurdo se cortar?!”, “A pessoa tem tudo que precisa e se corta?! Só pode ser frescura!” Sim, eu pensava assim. E o choque de descobrir que minha filha tem esse problema foi um tapa na minha cara. Eu fiquei totalmente perdida, não sabia nem por onde começar a pedir ajuda, não sabia a quem recorrer: terapia? Psicólogx? Psiquiatra?
A dor de ter uma filha que se corta
A dor de ter uma filha que se corta
Comecei a ler TUDO que encontrei sobre o assunto, e a cada nova informação, meu coração doía mais. Como uma dor pode ser tão insuportável que você chega a cortar a própria carne? Como eu pude deixar as coisas chegarem a esse ponto? Como eu não percebi que minha filha estava sofrendo tanto? Como não percebi as vezes que ela saía de casa com mangas compridas mesmo fazendo calor? Como? Culpas e mais culpas.
A dor de ter uma filha que se corta
A dor de ter uma filha que se corta
Através da indicação de um amigo, consegui uma profissional maravilhosa que está nos ajudando muito a lidar com esse problema. E estamos fazendo terapia.
Lola, acho que você é das poucas pessoas que abrem seu espaço pra tratar desse assunto de forma direta e clara. É uma angústia tremenda estar numa situação desesperadora e não ter ideia de como sair dela. Lendo o post das alternativas, identifico muitas coisas que minha filha está fazendo agora pra cuidar dessa dor que ela sente. E fiquei extremamente feliz em perceber que ela está tentando se livrar dessa.
A dor de ter uma filha que se corta
A dor de ter uma filha que se corta

Seu espaço é um lugar de visibilidade, as pessoas param tudo pra te ler. Eu respeito muito suas palavras e seu conhecimento, e foi uma alegria/alívio ler esse post no SEU blog. Foi como se fosse um atestado de autenticidade.

A dor de ter uma filha que se corta
A dor de ter uma filha que se corta

Se me cabe um conselho a outras mães, sejam mais invasivas, perguntem mais, tentem interagir melhor. A gente tem aquela falsa impressão de que temos que deixar nossxs filhxs à vontade, sem se intrometer. Claro, é preciso respeitar a privacidade e individualidade de cada um, mas siga sua intuição, e quando notar que algo está errado tente descobrir o que é, não deixe a cargo da sorte ou do acaso.

A dor de ter uma filha que se corta
A dor de ter uma filha que se corta

Meu comentário: T., querida, é como eu já disse algumas vezes — até pouco tempo, eu nem imaginava que pessoas (principalmente adolescentes, principalmente meninas) se auto-mutilassem. E certamente não sabia que este fosse um problema tão abrangente (17% das adolescentesamericanas se autoflagelam; em 2012, na Grã-Bretanha, hospitais trataram 18 mil meninas e 4 mil meninos, todos entre 10 e 19 anos, que haviam se cortado). Quer dizer, está longe de ser um problema isolado, longe de ser “frescura”.

A dor de ter uma filha que se corta
A dor de ter uma filha que se corta

Ao contrário da anorexia, que é muitas vezes orgulhosamente exposta em redes sociais, a autoflagelação era algo que se fazia escondido. O verbo está no passado porque parece que ultimamente tem mais e mais adolescentes tirando selfie do seu corte. Elas não querem pedir ajuda à família, então pedem nas redes.

A dor de ter uma filha que se corta
A dor de ter uma filha que se corta
O amor fala mais alto que a
automutilação
O seu relato, T., traz um outro ângulo, que é a reação de uma mãe ao descobrir que a filha está passando por uma fase tão destrutiva. Imagino como você deve ter se sentido culpada. Mas o importante é que você está ciente, e que, juntas, vocês estão tentando sair dessa. E vão conseguir.

 

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