Drama em família para o técnico de Arthur Zanetti

Pai de Henrique, um dos acusados de ofensas contra Ângelo Assumpção, Marcos Goto é negro e técnico do campeão olímpico

Por Claudio Nogueira Do O Globo 

A polêmica sobre as acusações de injúria racial que teriam sido praticadas contra o ginasta negro Ângelo Assumpção, da seleção brasileira de ginástica olímpica, pelos colegas Arthur Nory, Fellipe Arakawa e Henrique Medina Flores, em Portugal, na semana passada, não despertou apenas a revolta da comunidade negra do país. Mas tem um componente familiar, já que Henrique é filho do técnico Marcos Goto, negro e que treina Arthur Zanetti, campeão olímpico de argolas.

Henrique é meu filho. Não usa meu sobrenome (para competir), mas o da mãe. Não há como falar que o filho de um negro tem alguma intolerância com a raça do pai! Conversei com ele a sério e lhe disse foi uma brincadeira de muito mau gosto.

As ofensas teriam ocorrido semana passada quando os atletas tomavam café. Arthur, Fellipe e Henrique fizeram piadas com a raça negra, dizendo que um celular quando funciona tem tela branca, mas quando dá defeito, fica com tela preta; e que um saco de supermercado é branco, mas o de lixo, preto. Isto consta de vídeo publicado com exclusividade pelo GLOBO na última sexta-feira. No mesmo dia, os atletas divulgaram outro vídeo, em que o trio se desculpava com Ângelo, visivelmente constrangido. Gotto era um dos seis treinadores que estavam em Anadia, Portugal, com um grupo de atletas, sob a coordenação de Leonardo Finco. Ângelo, Arthur, Fellipe e Henrique foram fazer uma avaliação técnica e, independentemente do fato, o retorno deles ao Brasil já era previsto para o último fim de semana. Outros integrantes da delegação ficaram em Portugal para a disputa da etapa local da Copa do Mundo.

Ao GLOBO, na tarde desta segunda-feira, no CT da Arena da Barra, Goto explicou como se sentia.

— Como treinador, é uma surpresa isto na seleção. É algo atípico. Temos dez, 20 viagens por ano, e nunca houve nada parecido. Foi um fato isolado. E como pai, dói bastante. Mas sei da educação que eu e minha mulher demos a ele. Eu me preocupo, porque há muita gente condenando eles sem os conhecer, sem saber como são, qual a educação e o dia a dia deles. Não se pode condená-los. Eles não tinham noção que o que fazem repercute tanto quanto um astro.

“Piadas ofendem negros”

O treinador admitiu que seu filho, Arthur e Fellipe temem ficar de fora do esporte.

— Já falei a eles que alguma punição eles têm de ter. Mas depende do Superior Tribunal de Justiça Desportiva da CBG. Eles têm de ser punidos (esportivamente), mas não podem ser vistos como criminosos — argumentou. — Ângelo está de boa, tranquilo. Isso não o afetou em nada. Não se abalou, não reclamou, e eles continuam brincando como sempre.

Segundo Goto, Ângelo e Arthur, que são do Pinheiros, de São Paulo, dividem um apartamento no Rio, próximo ao CT. Henrique, do São Caetano, e Fellipe, do Minas, vivem noutros apartamentos do mesmo condomínio.

— O convívio deles é de amizade. Não há intolerância racial na seleção. Estou na seleção há quase 16 anos como treinador, e se houvesse diferença com Ângelo, haveria comigo — afirmou. — Eles fizeram besteira, mas são educados, dedicados e disciplinados, do contrário não estariam na seleção.

Os atletas continuam em silêncio. Já a presidente da Confederação Brasileira de Ginástica, Luciene Resende, disse, no último sábado, ao “Globo Esporte” que apura o caso e pode punir o trio. A entidade encaminhará a situação ao STJD e fará trabalho educativo com atletas e técnicos.

O frei David dos Santos, da Educafro, que organiza pré-vestibulares gratuitos para pobres, se reuniu com advogados para exigir dos três ginastas na Justiça o pagamento de 50 bolsas de estudos para negros. Para o religioso, as piadas ofendem a todos os negros.

— Racismo nunca é brincadeira — enfatizou o frei.

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