Sente o drama: a reflexão de uma historiadora no Complexo do Alemão

Decidi publicar a reflexão da historiadora e pesquisadora da Fiocruz Marize Cunha, sobre a audiência realizada na última segunda-feira, dia 4 de maio, no Complexo do Alemão.

no Jornal do Brasil por Mônica Francisco

Sua reflexão demonstra a fragilidade que ainda nos assola, principalmente a nós, negros e negras das periferias das grandes cidades, que necessitamos cada vez mais de nos apropriarmos de instrumentos e mecanismos institucionais e formais, para darmos visibilidade e força à luta contra o racismo institucional e o racismo de fato, mesmo tendo se passado 127 anos da assinatura da Lei e as favelas serem o maior ambiente onde a exclusão, o descaso e violência deliberada, marcam e apresentam ao mundo esse processo.

Mas é fato que, apesar de tudo, mobilização por melhorias e mudanças, ou seja , a resistência e a resiliência, continuam. Segue o texto:

Sente o drama

Sobre testemunhos e diálogos, novas formas de participação: dando visibilidade ao que é invisível e constituindo novos caminhos de debate.

Ontem, assistir a audiência pública no Alemão, organizada pelo Juntos pelo Complexo do Alemão, com a presença de moradores, coletivos e instituições do território, e as comissões de Direitos Humanos e Educação da ALERJ, além de vários representantes de outras organizações da sociedade civil, me fez pensar em algumas coisas:

_ As audiências públicas se constituem hoje em um dos principais caminhos de publicização de problemas e dramas que atingem a população.

_ As audiências públicas abrem espaço para que questões discutidas de forma setorizada e pontual – em conselhos e outros espaços que se tornam cada vez mais burocráticos e técnicos – sejam debatidas de forma integrada, sem isolar problemas que se relacionam.

_ As audiências públicas são conquistas fundamentais e as comissões que lutam para levá-las a frente, assim como as organizações e coletivos do movimento popular, devem ser valorizadas.

_ Diferentes atores sociais e políticos tem lugares, interesses e compromissos diferentes. Se deputados, ong’s, coletivos populares, técnicos e profissionais dos serviços públicos, pesquisadores etc etc fossem a mesma coisa, seria difícil avançar na luta social. Como pesquisadora e professora, eu quero ouvir diferentes espaços de ponto de vista, e ainda que não concorde com muitos, penso que algumas visões são fundamentais para o avanço do debate e, no meu caso, para o avanço de meu trabalho. Escuta e agregar o estranho é algo fundamental.

_ O intenso processo de violência a que somos submetidos, e em particular que as favelas e periferias são submetidas, faz com que os moradores encontrem em um espaço como a audiência pública um caminho para tornar pública sua dor e seus problemas, e isso é uma forma fundamental de ação que deve ser valorizada; TESTEMUNHO É AÇÃO.

_ Os fóruns coletivos de debate, dentre eles a audiência pública, precisam encontrar uma dinâmica que incorpore a necessidade de testemunho como forma de participação e faça revisão das habituais e antigas formas de debate, com seus ordenamentos e encaminhamentos. É preciso aprender a responder às necessidades e dinâmica da luta social. Formatos antigos de reuniões e assembléias populares, não respondem mais aos desafios de nossos tempos, as novas formas de participação e representatividade atuais.

_ Dividir-se em um momento em que é necessário incorporar os diferentes espaços de ponto de vista – que lutam por justiça social, para sermos mais humanos, mais livres e por vidas mais dignas – é aceitar o jogo daqueles que querem controlar as lutas populares, e que hoje mais do que nunca temem os novos formatos de participação popular.

E terminando com o que a Mônica Santos Francisco disse em uma das oficinas de nosso projeto (eu colo nela porque não sou boba!

“O desejo de falar, ele é muito grande porque as favelas vivem um processo de silenciamento em todas as situações. Então quando alguém chega no sistema de saúde e grita é porque ele quer ser ouvido, não é porque ele está indo ali para brigar, não é porque ele é mal educado, é porque ele é silenciado o tempo todo, e ele é silenciado na sua dor. Então, é o professor, é o profissional de saúde, todos são silenciados na sua dor. Então, na hora que a gente se encontra, você quer falar. Porque é uma terapia. É o momento em que você expõe, você busca de alguma forma no outro, aquilo que a Marize iniciou dizendo, alguma forma de construir para além daquilo que a gente está vivendo”.

“A nossa luta é todo dia. Favela é cidade. Não aos Autos de Resistência, à GENTRIFICAÇÃO e ao RACISMO, ao RACISMO INSTITUCIONAL, ao VOTO OBRIGATÓRIO e à REMOÇÃO!”

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