É possível fazer um ‘back up’ do cérebro?

Se fosse possível “salvar” sua memória como fazemos com informações no disco rígido de um computador, você faria isso? Essa é uma questão que alguns cientistas esperam poder nos fazer em breve.

Por Simon Parkin, no BBC

Desde os primeiros desenhos riscados em paredes de cavernas na Pré-História, o homem vem tentando transcender a inexorável esvanecimento da memória.

História oral, diários, livros de memórias, fotografias, filmes e poesia são alguns dos instrumentos usados nessa busca.

Mais recentemente, passamos a arquivar nossas memórias nos enigmáticos servidores da internet.

Sites como Facebook, Instagram, Twitter, YouTube e provedores de e-mails guardam registros de eventos importantes de nossas vidas, além de imagens e correspondências que trocamos com outras pessoas. Coletamos nossas memórias com um grau de detalhamento nunca antes possível.

E, na fronteira entre o possível e o impossível, equipes de cientistas trabalham para criar tecnologias capazes de fazer cópias de nossas mentes – e, portanto, de nossas memórias – que possam viver muito além de nós.

Se atingirem esse objetivo, as consequências serão profundas. Conheça alguns desses projetos e entenda o que eles pretendem alcançar e de que forma.

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Eterni.me

O californiano Aaron Sunshine, de 30 anos, perdeu sua avó recentemente. “Me dei conta de quão pouco dela ficou”, disse.

“São apenas alguns pertences, entre eles, uma camisa velha que às vezes visto quando estou em casa.”

A morte da avó levou Sunshine a procurar os serviços do site Eterni.me, um serviço que preserva as memórias de uma pessoa, após sua morte, na internet.

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Funciona da seguinte maneira: em vida, o cliente dá ao Eterni.me acesso a todas as suas contas em sites como Facebook, Twitter e provedores de e-mail. E também faz uploads de fotos, de históricos geográficos de locais onde esteve e até de coisas que viu usando a ferramenta Google Glass.

As informações são coletadas, filtradas e analisadas antes de serem transferidas para um avatar (uma pessoa virtual que tenta imitar a aparência e personalidade do usuário).

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O avatar aprende mais sobre a pessoa à medida que interage com ela ao longo da vida. O objetivo é que o avatar possa, no decorrer do tempo, refletir com cada vez mais precisão a personalidade desta pessoa.

“A ideia é criar um legado interativo, uma forma de evitar (que a pessoa) seja totalmente esquecida no futuro”, disse Marius Ursache, um dos criadores doEterni.me.

“Seus bisnetos usarão (o site) – em vez de uma ferramente de buscas ou uma linha do tempo – para acessar informações sobre você, desde fotos de eventos da família até suas opiniões a respeito de certos assuntos, ou mesmo canções que você escreveu, mas nunca mostrou a ninguém.”

Sunshine diz que poder interagir dessa forma com um avatar de sua avó lhe traria conforto. “Ela não estaria tão longe de mim”, diz.

Ursache tem planos ambiciosos para o Eterni.me. “(O serviço) poderia ser uma biblioteca virtual da humanidade”, sugere.

Mas a tecnologia ainda é incipiente. Ele calcula que os assinantes do serviço terão de interagir com seus avatares durante décadas para que a simulação se torne tão precisa quanto for possível.

Ele conta que já recebeu muitas mensagens de pacientes terminais que querem saber quando o serviço estará disponível e se eles poderiam fazer registros de si próprios antes de morrer.

“É difícil responder a essas pessoas, porque a tecnologia pode levar anos para atingir um nível adequado, até que seja utilizável e tenha algo real a oferecer.”

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Cérebro ‘back up’

E, se em vez de simplesmente escolhermos o que queremos capturar em formato digital, pudéssemos gravar tudo, absolutamente tudo o que uma mente contém?

Isto não é ficção científica. Em teoria, exigiria três avanços básicos.

Os cientistas teriam de descobrir como preservar o cérebro de alguém após sua morte. Depois, a informação contida nesse cérebro precisaria ser analisada e arquivada. Finalmente, a mente da pessoa precisaria ser “recriada” em um outro cérebro, construído artificialmente.

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Cientistas de todo o mundo já trabalham para tentar criar um cérebro humano artiticial. Nele poderia ser feito o upload de um arquivo de segurança da memória de um ser humano – ou, pelo menos, essa é a ideia.

O Massachusetts Institute of Technology (MIT), nos Estados Unidos, oferece um curso de conectomia – um campo ainda emergente da ciência onde pesquisadores tentam criar um mapa contendo todas as conexões existentes em um cérebro humano.

Especialistas trabalhando em outro projeto, o “US Brain”, tentam registrar a atividade cerebral de milhões de neurônios. E, na Europa, o projeto “EU Brain” tenta construir modelos integrados capazes de simular esta atividade.

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O pesquisador Anders Sandberg, do Instituto Futuro da Humanidade, da Universidade de Oxford, no Reino Unido, descreve esses projetos como importantes passos rumo a um ponto onde seremos capazes de copiar um cérebro humano em sua totalidade.

“O objetivo é copiar a função do cérebro original. Se for colocada para funcionar, a cópia será capaz de pensar e agir como o original”, diz Sandberg.

Ele explica que o progresso tem sido lento, porém contínuo. “Já somos capazes de mapear pequenas amostras de tecido cerebral em três dimensões. (Os modelos) têm um índice de resolução maravilhoso, mas os blocos têm apenas alguns microns de largura”.

O especialista diz que, à medida que os métodos melhorarem, a informação contida no tecido “escaneado” será convertida automaticamente em modelos que poderão ser lidos e “rodados” pelo simulador.

“Já temos as partes, mas ainda não temos a tubulação conectando os cérebros e as cópias”.

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Corrida do Ouro

O desafio é grande, mas não parece haver escassez de investimentos nesse campo. O Google, por exemplo, vem investindo pesado no projeto Google Brain, que tenta simular aspectos do cérebro humano.

O diretor do projeto, o polêmico Ray Kurzweil, tornou-se o líder de uma comunidade de cientistas. Eles dizem acreditar ser possível fazer um back updigital de um cérebro humano – e dizem que ainda estarão vivos quando isso acontecer.

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O Google também contratou o britânico Geoff Hinton, cientista da computação e um dos maiores especialistas do mundo em redes neurais – os circuitos por meio dos quais a mente humana pensa e lembra.

Em 2011, um empresário russo, Dmitry Itskov, fundou um projeto batizado de “A Iniciativa 2045”. O nome se baseia em uma previsão, feita por Kurzweil, de que em 2045 seremos capazes de fazer um back up de nossas mentes na nuvem (rede global de servidores interligados que armazenam dados).

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Os frutos de todo esse trabalho ainda não são conhecidos, mas o esforço claramente existe.

O neurocientista Randal Koene, diretor de ciência da “Iniciativa 2045”, é enfático. Ele diz que a criação de uma réplica operante do cérebro humano está ao alcance da humanidade.

“O desenvolvimento de próteses neurais já demonstra ser possível ‘rodar’ funções da mente (no computador)”.

Não se trata de exagero. Ted Berger, professor do Center for Neuroengineering da Universidade da Califórnia do Sul, em Los Angeles, Estados Unidos, conseguiu criar uma prótese de uma estrutura presente no cérebro conhecida como hipocampo. Localizada nos lobos temporais, ela está associada à codificação da memória.

Em 2011, uma prótese de hipocampo foi testada com sucesso em ratos de laboratório. Em 2012, ela foi testada, também com sucesso, em primatas. Berger e sua equipe pretendem testar a prótese em humanos ainda neste ano para demonstrar que já somos capazes de recriar algumas partes do cérebro do homem.

Porão da Memória

Fazer uma cópia de um cérebro humano é uma coisa, mas criar um arquivo digital das memórias de uma pessoa é um desafio bem diferente. Sandberg, de Oxford, questiona a viabilidade de uma empreitada como essa.

“Memórias não são arquivadas em ordem, como pastas em um computador, para criar um índice para buscas”, ele diz.

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“A memória consiste de redes de associações que são ativadas quando lembramos de algo. Para simular um cérebro, precisaríamos de cópias de todas elas.”

De fato, seres humanos reconstróem informação a partir de regiões múltiplas do cérebro, de maneiras que são moldadas por nossas crenças e inclinações naquele momento. E tudo isso muda com o passar do tempo.

Outra questão problemática seria como extrair as memórias de uma pessoa sem destruir seu cérebro no processo.

“Sou cético em relação à noção de que seremos capazes de fazer esse escaneamento (da memória) sem provocar destruição”, disse Sandberg.

“Todos os métodos para escanear tecido neural com a alta resolução necessária são invasivos, e eu acho que vai ser muito difícil fazer isso sem despedaçar o cérebro.”

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Ainda assim, o especialista parece acreditar que um upload digital da memória de um indivíduo específico, passível de ser rastreado ou submetido a buscas, é algo possível. Mas somente se você for capaz de “rodar” o cérebro simulado por inteiro.

“Acho que há uma boa chance de que isso pode funcionar – e ainda neste século”, ele diz.

“Talvez a gente precise simular tudo, desde o nível molecular. Nesse caso, as demandas sobre os computadores sejam grandes demais. É possível que o cérebro use dados difíceis de escanear, como estados quânticos (hipótese defendida por alguns físicos, mas por pouquíssimos neurocientistas)”.

Ou, prossegue Sandberg, é possível que “softwares não possam ter consciência ou inteligência (uma ideia defendida por alguns filósofos mas por pouquíssimos cientistas da computação)”.

“Não acho que essas questões procedem. Teremos de esperar para saber se estou certo”.

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Cenários Possíveis

E, se for mesmo possível preservar uma mente humana, quais serão as implicações disso sobre a forma como vivemos?

Talvez isso traga benefícios inesperados, sugerem alguns.

O presidente da entidade britânica London Futurists, o futurólogo David Wood, diz que um back up digital da mente de uma pessoa poderia talvez ser estudado para trazer avanços na compreensão de como seres humanos pensam e se lembram.

Por sua vez, o neurocientista Andrew Vladimirov especula que, se a mente de uma pessoa pudesse ser arquivada digitalmente enquanto a pessoa estivesse viva, talvez os dados pudessem ser usados no tratamento psicanalítico desta pessoa.

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“Você poderia rodar, por meio da sequência inteira da vida da pessoa, algorítimos criados especialmente para ajudá-la a otimizar estratégias de comportamento”, ele sugere.

Outros, como Sandberg, chamam a atenção para as implicações éticas disso.

Para ele, nos estágios iniciais de desenvolvimento da tecnologia, a principal questão ética teria a ver com as cópias quebradas.

“Talvez nos víssemos às voltas com entidades sofrendo dentro dos nossos computadores.”

“Também haverá problemas na seleção de voluntários, especialmente se o processo de escaneamento for destrutivo”, ele acrescenta.

E a coisa se complica ainda mais se ponderarmos sobre os direitos que uma mente copiada teria.

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“Pessoas copiadas deveriam ter os mesmos direitos que pessoas normais, mas garantir esses direitos envolveria mudanças legislativas”, diz Sandberg.

E talvez sejam necessários novos tipos de direitos, ele sugere. “Por exemplo, o direito de um humano copiado funcionar rodar em tempo real, para que possa participar da sociedade.”

Leia a versão original em inglês dessa reportagem no site BBC Future.

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