Edson Santos lembra histórico de exclusão dos negros na política

O deputado federal e ex-ministro da Igualdade Racial Edson Santos escreve artigo exclusivo para o Favela 247 sobre a história da participação dos negros na política nacional. Desde a eleição de Eduardo Gonçalves Ribeiro, o primeiro parlamentar negro da história do Brasil, e do advogado abolicionista Monteiro Lopes, há muito para se mudar: “Embora representem quase 51% da população brasileira (…) os negros ainda estão sub-representados no legislativo. Só 8% dos deputados federais são negros (43 dos 513) e apenas dois parlamentares se declaram negros dentre 81 senadores”

Por *Edson Santos, para o Favela 247

A cor da política no Brasil

O modo pelo qual o racismo se estabeleceu e foi incorporado pela sociedade tornou-se uma barreira quase intransponível para a participação dos negros e negras no processo político brasileiro. Na condição de escravos na colônia e no império, e de cidadãos de segunda categoria da abolição até muito recentemente, os negros brasileiros sempre foram excluídos do jogo político. Até hoje pouca coisa mudou. Embora representem quase 51% da população brasileira, conforme o último Censo do IBGE, os negros ainda estão sub-representados no legislativo. Só 8% dos deputados federais são negros (43 dos 513) e apenas dois parlamentares se declaram negros dentre 81 senadores.

Essa baixa representatividade se repete nas Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais de todo o país. E o que é pior, a questão racial tem muito pouco espaço na pauta do legislativo e não é vista como um problema pela maioria dos parlamentares.

A eleição de negros no Brasil sempre foi a exceção, nunca a regra. Eduardo Gonçalves Ribeiro foi o primeiro parlamentar negro da história do Brasil. Filho de escrava, conseguiu se eleger deputado federal em 1897, após ter governado a província do Amazonas por nomeação entre 1892 e 1896. Seu mandato foi interrompido em 1900, quando foi encontrado morto em circunstâncias até hoje não esclarecidas. “Viva a República sem preconceito de cor!” foi o lema do advogado abolicionista Monteiro Lopes, pernambucano eleito deputado federal pelo Distrito Federal. Espezinhado pela imprensa e pelos “donos do poder” da época, Lopes só conseguiu tomar posse três meses após as eleições, em 1909, graças à intensa mobilização popular no Rio de Janeiro e manifestações em várias outras cidades brasileiras.

Naquele período, os negros estavam à margem não apenas da política. Eram preteridos no mercado de trabalho formal, prejudicados pelas diretrizes do sistema educacional, despojados da plenitude de seus direitos sociais e vistos como seres inferiores e eugenicamente patológicos. Uma situação que se manteve praticamente inalterada nas décadas seguintes, apesar da mobilização de vários grupos negros para resistir e abrir brechas no sistema.

Após o golpe de 1964, os militares transformaram o mito da “democracia racial” em peça-chave da sua propaganda oficial e rotularam os militantes antirracistas como “imitadores baratos” dos ativistas dos direitos civis nos Estados Unidos. A Constituição de 1967, no entanto, havia finalmente abordado o tema do preconceito racial de forma explicitamente repressiva: “Todos são iguais perante a lei, sem distinções de sexo, raça, trabalho, credo religioso e convicções políticas. O preconceito de raça será punido pela lei” (Art. 150). E muito embora, internamente, os diplomatas brasileiros tenham sido constrangidos a evitar o que era considerada uma ingerência indevida em questões de direitos humanos, no plano externo o Brasil se engajou no combate à discriminação, com participação ativa nas Conferências da ONU contra o racismo, realizadas em 1978 e 1983.

Na redemocratização, a prioridade era libertar o país da ditadura e a questão racial foi novamente relegada a um plano secundário. Mesmo os partidos e organizações de esquerda, sempre engajados no combate a todas as formas de opressão, acabaram por negligenciar a discussão. Vigorava o reducionismo segundo o qual todas as relações sociais são regidas pela dicotomia Capital x Trabalho, desconsiderando que o racismo e a discriminação são fatores estruturantes da desigualdade, e não mero problema das minorias.

Em 1988, o centenário da abolição coincidiu com a formação da Assembleia Constituinte. O texto constitucional conferiu ao Estado a responsabilidade pela promoção da igualdade e o combate aos preconceitos, registrando, por exemplo, que é objetivo fundamental do Estado “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (Art. 3º). Afirmou ainda o repúdio ao racismo (Art. 4º), determinando que sua prática se constitui em “crime inafiançável e imprescritível” (Art. 5º).

Novos avanços foram sentidos quando o Governo Federal criou em 2003 a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, primeiro órgão em todo o mundo responsável pelo enfrentamento ao racismo com status de ministério. Mesmo assim, até hoje os negros que se envolvem na política institucional ainda precisam lutar pelo reconhecimento público da questão racial. Sua participação é necessariamente diferenciada. Quando se é negro, não basta lutar pela cidadania filiando-se a um partido político. É preciso, paralelamente, organizar-se enquanto setor diferenciado no interior deste partido, na medida em que a luta contra o racismo ainda não foi abraçada pela maioria das legendas.

O que nos anima é o fato de que hoje a discussão já alcançou segmentos mais amplos da sociedade. Há ainda muita incompreensão, mas o debate avança e está presente nos meios de comunicação, nas novelas, nas universidades, no planejamento das empresas, nas metas orçamentárias dos governos, entra pelas casas e anima discussões em todos os lugares. Ganhamos novo fôlego para continuar a velha luta pela ampliação da presença dos negros nos espaços de poder.

*Edson Santos é deputado federal, ex-mininistro da Igualdade Racial e o deputado federal negro mais votado nas eleições de 2006

Fonte: Brasil 247

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