Por: Maria Lúcia de Santana Braga
As eleições gerais de 2010 podem desmistificar um velho bordão do campo político brasileiro centrado na afirmação de que o eleitorado em geral, e principalmente o feminino, hoje em torno de 51%, não vota em candidaturas femininas.
As dificuldades das mulheres em ampliar sua presença nos espaços de poder e decisão podem ser creditadas a muitas variáveis. O 2º Plano Nacional de Políticas para as Mulheres, elaborado em 2007, já assinalava muitas dessas resistências e indicava a necessidade de ações centradas no estímulo à participação de mulheres nos partidos políticos, nas diversas instâncias parlamentares e também a inclusão do tema da paridade entre homens e mulheres no debate da reforma política.
Muitas das assimetrias existentes entre mulheres e homens em vários campos somente poderão diminuir com a garantia de igualdade política entre os cidadãos e as cidadãs. Os dados apresentados a seguir, em breve publicados pela Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM/PR), indicam a possibilidade de surgimento de uma estrutura de sentimentos e atitudes mais apropriada à representação democrática de homens e mulheres nas relações e espaços de poder.
Pesquisa Mulheres na Política
A pesquisa Mulheres na Política do Ibope – Instituto Patrícia Galvão, realizada em 2009, apresentou inúmeros sinais de que o quadro de subrepresentação da mulher na política está em vias de mudar em ritmo mais acelerado. A pesquisa teve o objetivo de mapear a percepção da população brasileira sobre a participação das mulheres nos espaços de poder e decisão.
Os resultados pesquisados demonstram que mulheres e homens têm percepções e disposições bastante semelhantes, pois 94% dos (as) entrevistados (as) responderam que votariam em mulheres para qualquer cargo. Da mesma forma, entre 73% a 83% acreditam que a presença feminina irá melhorar a democracia brasileira, a política de forma geral e os espaços de poder.
Os (as) entrevistados (as) acreditam também, em sua maioria, que a honestidade e a competência são características fundamentais que seriam reforçadas e ampliadas se mais mulheres fossem eleitas. Nessa linha, a pesquisa demonstra que o (a) eleitor (a) se preocupa mais com virtudes e competências do que propriamente com a experiência administrativa e política.
Tal aspecto pode ser constatado na eleição de muitos (as) candidatos (as) completamente neófitos (as) na política nas últimas eleições tanto para cargos executivos quanto para legislativos.
A pesquisa apontou ainda que a maioria considera importante a adoção de medidas que visam promover a igualdade política de mulheres e homens. 55% dos (as) entrevistados (as) posicionam-se pelo número igual de candidaturas femininas e masculinas, possibilitando assim que as câmaras de vereadores, assembléias estaduais e o Congresso Nacional tenham representação igualitária.
Há a percepção generalizada de que as candidaturas de mulheres aumentaram, em particular aos cargos municipais. Da mesma forma, a percepção de que em 20 anos haverá um crescimento expressivo das candidaturas femininas é predominante para boa parte dos (as) entrevistados (as). Por outro lado, os (as) pesquisados (as) responderam sobre a relevância da variável sexo para definir o voto. Para mulheres e homens, em todas as faixas etárias e de renda, a pesquisa mostra que essa variável é somente levada em conta para 1% da amostra em todos os cargos eletivos.
Cabe ressaltar que 72% dos (as) respondentes desconhecem a existência da Lei de Cotas que prevê que nenhum dos sexos tenha mais de 70% dos (as) candidatos (as), assegurando pelo menos 30% de participação da mulher nas disputas eleitorais.
Esses dois últimos aspectos demonstram que as percepções do eleitorado brasileiro são contraditórias em alguns momentos, bem como revelam o nível de desconhecimento acerca de conquistas recentes como a melhoria da Lei de Cotas.
Minirreforma Eleitoral de 2010: novos e velhos desafios
Avanços importantes registrados na chamada minirreforma eleitoral no ano passado (Lei 12.034/2010) podem, de fato, contribuir para efetivar o quadro acima. Já em vigor para o pleito de outubro próximo, os partidos políticos são obrigados a preencher 30% das vagas com candidaturas femininas. Antes, só precisavam reservar esse percentual.
Além disso, os partidos deverão destinar determinado percentual da sua receita, nunca inferior a 5%, para promover programas desenvolvidos pelas mulheres. E também são obrigados a definir, no mínimo 10% do tempo de rádio e TV, para difundir e divulgar a participação política feminina.
Se levarmos em conta a receptividade do eleitorado indicada pela pesquisa Mulheres na Política e a articulação desses instrumentos mais recentes, poderemos ter boas novidades nas eleições de 2010.
A professora Celi Jardim Pinto, da UFRGS, no artigo “Por que mulher não vota em mulher”, publicado no jornal Zero Hora em 06/05/2010, chama atenção para a novidade que é a importância concedida ao voto feminino nas eleições desse ano.
No entanto, a historiadora ressalta que “uma das mais fortes razões para as mulheres não votarem em mulheres é o fato de que as candidatas mulheres não se apresentam como tal”. Isto é, as mulheres não consideram na sua decisão de votar o fato de as candidaturas serem femininas e feministas porque estas não se colocam claramente dessa forma.
A subrepresentação das mulheres nas instâncias decisórias decorre de muitos obstáculos, alguns deles em parte superados. Outros, contudo, ainda demandam medidas que dêem mais visibilidade às candidaturas femininas e suas agendas. Estas precisam se sustentar em projetos e plataformas para as mulheres, que incluam como ponto central ações para promover a igualdade política no Brasil, com fim de assegurar programas e políticas para as mulheres, com previsão orçamentária e órgãos setoriais responsáveis por essa agenda.
Nas eleições de 2010, teremos uma excelente oportunidade para efetivar mais conquistas na esfera da representação política e demonstrar que as mulheres têm condições plenas de atuar no campo político, com a quebra de preconceitos e atitudes discriminatórias. Ou seja, não se trata de ampliar “a sensibilidade na política” com a presença das mulheres, mas sim de criar as condições para o lugar político das mulheres.
Provavelmente, a democracia brasileira se fortalecerá, pois estarão sendo construídos os instrumentos e os espaços para a plena participação e representação de cidadãs e cidadãos.
Fonte: Diap