Eliane Dias fala sobre carreira com Racionais Mc’s

Terceira palestra do PULSO recebeu a produtora dos quatro pretos mais perigosos do Brasil

no Red Bull

Dentro da programação do PULSO – ocupação de músicos e artistas no Red Bull Station, em São Paulo – aconteceu na noite de ontem (08) uma palestra com a produtora e advogada Eliane Dias, responsável pela carreira do Racionais Mc’s, o maior grupo de rap do Brasil.

Durante sua fala, que aconteceu como um bate papo com o jornalista Amauri Gonzo, Eliane falou sobre o começo do grupo, a carreira na advocacia e na política e a decisão de cuidar da carreira dos Racionais. A produtora falou também sobre preconceito, a turnê de 25 anos da banda e respondeu a perguntas da plateia. Foram muitas lições e histórias, mas tentamos resumir um pouco do foi dito na noite. Confira abaixo!

O começo

“Eu queria trabalhar com o Racionais desde 2002 e eles obviamente não queriam. Então fui me preparar, pensando que essa hora ia chegar. Hoje sou advogada, me formei em direito.
Cheguei a trabalhar com o Racionais em 1996 e não deu certo. Eles tinham uma fábrica de camisetas no Capão, bonita pra caramba. Mas eu fui trabalhar com eles e não sabia que eu era feminista. Não gostava de ser tão submissa, me senti muito incomodada de não ter autonomia. Então fiquei de longe, só acompanhando”.

Atuação na política

“Eu sou ativista, estou na política desde 94, trabalho no front mesmo. Vou na rua, converso com pessoal, falo com a galera, faço porta a porta, boca a boca, coordeno equipe. Tinha a intenção de saber mais das coisas e pensei em ir pra Assembleia Legislativa. A gente tem que querer coisas possíveis, não adianta querer algo que não pode alcançar. Depois de um tempo, fui convidada a trabalhar como assessora da deputada Leci Brandão, como mulher de frente. Trabalhei na comissão de Direitos Humanos. É sofrimento, é horrível, a gente vê denúncias do meu povo mesmo, gente pobre e negra. Virei coordenadora do SOS Racismo e se antes eu cuidava dos 4 pretos mais perigoso do Brasil, agora eu to cuidando de uma galera”.

Assumindo os Racionais Mc’s

“Uma produtora que trabalhava com o Caetano Veloso queria trabalhar com o Racionais. Mas Racionais é muita treta, ela não deu conta. Me chamou e falou que eu era a pessoa que tinha que cuidar do Racionais. Então, em 2012, eu comecei a trabalhar com eles e dei uma virada no jogo. Agora eu to mandando (risos)”.

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O auditório do Red Bull Station lotou

Primeiros passos

“A primeira coisa que fiz foi contratar uma jornalista, a Ana Paula Alcantâra. O Facebook é uma ferramenta forte hoje em dia, pra galera mais velha. Já o Twitter é pra galera que é mais jovem, o Instagram é uma rede que o próprio artista trabalha. Então a primeira coisa que eu fiz foi reprogramar as redes sociais, é importante ter uma rede ativa que funciona. Tínhamos 800 seguidores na página oficial, hoje temos mais de 6 milhões”.

Boogie Naipe

“A Boogie Naipe é do Mano Brown e minha, nasceu com propósito de cuidar do Brown. Boogie Naipe significa ‘meu jeito’, criamos pra cuidar da carreira solo dele. Quando se cuida do Racionais, fica difícil ter outros artistas. O artista pra trabalhar hoje na Boogie, tem que ser escolhido pelo Mano Brown. Eu quero pegar pelo menos mais umas cinco pessoas no nível do Racionais, não mais que isso, porque dá muito trabalho. Quero que pelo menos uma seja menina. Eu sou uma mulher, a produtora é comandada por quatro mulheres. Pode ser uma cantora de rap ou não”.

Turnê 25 anos

“Foi muito difícil, pretendo não fazer outra, porque deu muito trabalho. O Racionais não queria, o Brown dizia ‘é clichê, não vou fazer’. Eu falei: ‘vamos fazer sim’. Eu queria dar uma cara diferente, dar uma profissionalizada. A gente discutiu bastante e depois eles toparam. A segunda briga foi por causa do painel de led. Eu queria e o Racionais não queria em hipótese alguma. Eu chamei o pessoal de uma produtora e fizemos um projeto. Fomos até um galpão como esse aqui para mostrar como seria e eu tive que fazer os quatro irem lá – cada um chega num horário diferente, eles são terríveis. Quando viram gostaram. Mulher negra da periferia não tem credibilidade. A gente tem que ser muito homem pra fazer as coisas acontecerem”.

Pensando em detalhes

“O público do Racionais é da ponte pra lá. Não foram 7 mil pessoas da classe alta para assistir no Citibank Hall, foi o meu povo. Que dia eles recebem? No quinto dia útil. Então, vamos fazer depois do 5º dia útil. Uma vez eu levei o bonde, minha festa empacou quando não prestei atenção nisso. Coloquei uma festa bem no meio do fim de semana do ENEM. A casa abriu e a galera não chegava. Então, tem que prestar atenção em detalhes. Não dá pra ser uma produtora cultural sem prestar atenção nos detalhes, no público, no local, no que esta acontecendo no país. Minha formação ajuda. Porque a gente precisa ter cérebro, tem que racionar, pensar. Às vezes temos a ideia, mas não temos a técnica. Ser produtora cultural é fazer acontecer, colocar em prática e ter resultado. O artista pode cantar, curtir a noite, fazer o que quiser, mas todos os interesses sou eu tomo conta”.

Preconceitos

“Eu sofro discriminação, racismo, machismo, paternalismo. Não tem como passar essas coisas adiante. Eu não sinto dor, racismo só me fortalece. A questão da orientação sexual, cada uma tem a sua, eu não vou discriminar ninguém. Em uma das páginas de fãs do Racionais, postaram falando que o Racionais era homofóbico. Eu ensino o Brown, ensino meus filhos, é inadmissível esse tipo de coisa. Um jovem ou uma jovem negra já sofre preconceito por ser negro. E ainda por isso? Entrei em contato com a página e falei: ‘quer vir comigo? vem respeitando'”.

Os 4 pretos mais perigoso do Brasil

“Se eu trabalhasse com outra banda, com certeza seria mais fácil. Sou capaz de cuidar de um ET agora. Existe o planeta Terra e existe o planeta Racionais e existe o planeta Fãs do Racionais e existe o planeta Mano Brown. O Edi, na sua introspectividade, faz a coisa acontecer. Tem aquele jeito que atrai o público e o deixa curioso, faz as coisas que tem que falar. O Blue é megalomaníaco, ele tem vontade de fazer coisas grandes. O KL Jay só fala a verdade, que homem insuportável (risos). Ele não facilita nada a vida da gente. E o Brown é um ponto de interrogação, não consigo entender aquele cara. Tudo que ele fala tá certo, é foda. Não adianta querer debater com ele. Ele parece Midas, não erra nunca. E aí junta esses quatro caras e cada um faz a coisa do seu jeito. Um não gosta de viajar de manhã, o outro viaja um dia antes. Mas é assim que eles funcionam há 26 anos sem parar, eles cantam sem parar. Esse disco que eles lançaram agora tá lá na frente. Quem é que ouve um disco mais de 15 minutos? A gente não tem paciência pra isso. E eles tiveram essa sacada”.

Cores e Valores

“Semana passada, vimos a Maria Julia sendo perseguida pela cor dela. Então, são cores e valores. Se você é branco tem um valor, se é negro tem outro. Se você é negro com dinheiro tem outro valor, se é branco com dinheiro tem outro valor. É isso que ta acontecendo hoje. Eu gosto muito da música do Ice Blue, ‘Eu compro’, ela retrata muito claro isso. Meu primeiro carro foi um Fiat 147, o Xuxu. Mas agora comprei um carro que eu queria depois de dois anos. Quando chego no posto de gasolina, o frentista pergunta ‘Vai precisar da nota?’. Você pode ter dinheiro e comprar, mas ainda vai sofrer a descriminação”.

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