Em nome da economia brasileira, proponho revogar a Lei Áurea

O presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Robson de Andrade, disse que o governo federal deve promover “medidas muito duras” na Previdência Social e na legislação trabalhista para equilibrar as contas públicas. E citou como exemplo as reformas ocorridas na França, afirmando que, por lá, é permitido trabalhar até 80 horas por semana (na verdade, o limite máximo é de 48 horas, com horas-extras, podendo chegar a 60 em casos excepcionais com aval de autoridades).

Foto: Flávio Florido

por Leonardo Sakamoto no Blog

A declaração foi dada após um encontro com Michel Temer e cerca de 100 empresários. Em nota, a CNI afirmou que seu presidente não defendeu o aumento da jornada.

Fico pensando o que deve passar pela cabeça de uma pessoa que mora no interior do país, trabalha até não aguentar mais, recebendo um salário de fome, tendo que depender de programas de renda mínima para comprar o frango do aniversário do filho, quando vê na sua TV empresários culpando a jornada de trabalho, as leis trabalhistas e a Previdência Social pelas desgraças planetárias.

E, na sequência, vê notícias de bilhões desviados em escândalos de corrupção envolvendo políticos e empresários, como nas operações Lava Jato e a Zelotes.

Ou quando descobre que será ele, a xepa, que vai ter que ralar duro para tirar o Brasil da crise econômica porque os mais ricos não terão que pagar mais impostos por isso. Taxação de dividendos recebidos de empresas? Alteração decente na tabela do Imposto de Renda – criando alíquotas de 35% a 40% para cobrar mais de quem ganha muito e isentando a maior parte da classe média? Regulamentação de um imposto sobre grandes fortunas? Aumento na taxação de grandes heranças? Auditoria da dívida pública?

Não, nunca! O que vocês pensam que isto aqui é? Uma democracia?

A CNI pede que o presidente interino estale o chicote – mas apenas nas costas dos trabalhadores. Michel responde com uma proposta que limita gastos públicos com educação e saúde. Mas também com o apoio a um projeto que autoriza a terceirização de todas atividades de uma empresa e a outro que fará com que o que é negociado entre patrões e trabalhadores fique acima do que está previsto na legislação, mesmo em prejuízo aos trabalhadores. E, como esquecer, com propostas para aumentar a idade mínima da aposentadoria para 65 anos (para quem já está no sistema) e 70 anos (aos que vão entrar). Vale lembrar que, no Maranhão, a expectativa de vida é de 66 anos.

Nesse momento, algumas dessas pessoas de frente para a sua TV velha sentem-se otárias, engolem o choro da raiva ou da frustração de ganharem como um passarinho, apesar de trabalharem como um camelo, e torcem para a novela começar rápido e poderem, enfim, ver outra tragédia. Não porque precisam se mostrarem fortes – eles sabem que são. Mas porque percebem que o país não é deles mesmo.

O desejo dos industriais representados pela fala de Andrade vai na direção oposta às demandas das centrais sindicais, que possuem, entre suas principais reivindicações, a redução da jornada de 44 para 40 horas semanas. A última redução ocorreu há 28 anos, na Constituição de 1988, quando caiu de 48 para 44 horas.

Aos catastrofistas de plantão: o Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Econômicos calculou que uma jornada de 40 horas com manutenção de salário aumentaria os custos de produção em apenas 1,99%. O aumento na qualidade de vida do trabalhador, por outro lado, seria muito maior: mais tempo com a família, mais tempo para o lazer e o descanso, mais tempo para formação pessoal.

Há uma proposta de emenda constitucional que viabilizaria essa diminuição e também aumentaria de 50% para 75% o valor a ser acrescido na remuneração das horas extras. Ou seja, quer o empregado trabalhando mais? Que se pague (muito) bem por isso, pois eles estarão abrindo mão de sua qualidade de vida. Outros vão dizer que boa parte das empresas já opera com o chamado oito horas por dia, cinco dias por semana. Mas não todas. Principalmente em atividades rurais.

Mas se ficar decidido que o crescimento econômico é mais importante que a dignidade das pessoas, podemos – em um esforço da nação – revogar também a Lei Áurea.

Olha que ideia excelente para ser abraçada pelos empresários! Convenhamos que nunca conseguimos inserir em direitos a população libertada no final do século 19 e seus descendentes continuam a ser tratados como carne de segunda, a sofrer todo o tipo de preconceitos e a receber bem menos que os brancos pela mesma função, segundo dados da Organização Internacional do Trabalho. E isso iria ao encontro de um pedido empresarial de mão de obra barata e de uma das frases de caminhoneiro que nosso presidente interino mais gosta: “não fale de crise, trabalhe”.

Que tal?

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