Em quanto tempo esqueceremos o nome do cinegrafista Santiago? – Por: Leonardo Sakamoto

Você lembra do nome do rapaz que foi morto pela polícia militar, em outubro do ano passado, pela polícia, durante uma abordagem na Zona Norte de São Paulo e que gerou uma enorme comoção popular?

Comoções por mortes raramente duram mais que um mês no Brasil.

De um lado, claro, a vida segue. Menos para a família de quem morreu.

Do outro, isso é mais ou menos quando esgotam-se os ganhos midiáticos ou políticos. Pois não são poucos os que disputam a narrativa da morte, tentando dar um significado ao cadáver de acordo com diversos interesses – justos e injustos. Não raro, a indignação dura o tempo em que o caso for útil para a comprovação de um argumento defendido por governo e partidos políticos, veículos de comunicação, empresários, religiosos, intelectuais, sindicatos, movimentos e organizações sociais.

E quando uma morte não cabe na defesa de uma bandeira ou quando esses grupos, por serem pequenos e periféricos, não conseguem pautá-la na mídia ou em redes sociais, a história desaparece com a vítima. É triste ficar dependendo desse tipo de notoriedade para garantir que haja uma chance de mudar o contexto que resultou em uma morte. Pois, casos como o de Chico Mendes, Dorothy Stang e, recentemente, de Amarildo, que ficam mais tempo na memória, são raros e dependeram de uma conjunção de fatores, que os conectou eternamente a uma bandeira.

No ano que passou, ocorreram mortes, torturas, espancamentos de sem-terra, quilombolas, ribeirinhos, indígenas, no campo, isso sem contar limpeza social de pessoas em situação de rua e da matança de jovens pobres e negros da periferia das cidades. Jornalistas apanharam e foram assassinados (foram três mortos no ano passado, de acordo com o Comitê para Proteção de Jornalistas).

E você não ficou sabendo da maioria deles.

Muito já se escreveu sobre a estúpida morte do cinegrafista Santiago Andrade, inclusive este que aqui escreve. Então, não vou me aprofundar na discussão das causas. Vou me ater às consequências.

Parte dos veículos de comunicação entraram na chamada “roda de comoção”: um círculo vicioso/virtuoso (dependendo do ponto de vista), uma corrida para dar mais notícias do que o concorrente sobre um assunto de interesse popular, mesmo que isso não ajude em nada na interpretação do caso pela sociedade. Alguns desses veículos, inclusive, está usando desavergonhadamente o cadáver para tentar vender suas teses sobre manifestações, tentando até criminaliza-las. Na mesma carona, seguem políticos que querem aprovar leis que possibilitem punir protestos populares como atos terroristas.

O estranho é que, na prática, nenhuma das movimentações até agora (com exceção às da sempre presente Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo – Abraji e alguns sindicatos), busca garantir mais segurança de fato aos jornalistas. O que passa, é claro, pela discussão sobre equipamentos de proteção individual, treinamentos específicos e políticas internas para proteção de profissionais, mas não se resume a isso.

Primeiro, porque apesar de essencial para a democracia, a própria sociedade não entende bem o papel que a imprensa desempenha. E não fazemos questão de debater isso com o público – resquício de um comportamento de outrora, quando vivíamos sobre pedestais por determos o monopólio da intermediação de informação. Para falar a verdade, muitas vezes nem nós entendemos bem o papel que desempenhamos. Ou as ordens que recebemos para cumprir linhas editoriais estranhas. Ou a função social de nosso trabalho. Ou o porquê de nosso trabalho, às vezes, não ter função social alguma. E até depor contra ela.

Isso é reforçado por críticas pesadas à imprensa (que, ao meu ver, são justas) que descambam para ataques aos profissionais de imprensa (o que é uma idiotice sem tamanho). Personificam em uma pessoa um descontentamento a um veículo de comunicação. Ou seja, parte da sociedade não entende um ataque a um jornalista como um ataque à liberdade de expressão, um pilar da democracia. Vê isso como uma manifestação do descontentamento a um veículo de comunicação e sua linha editorial.

Alguns grupos de jovens, empolgados com as ruas, acabam por ceder a esse discurso fácil e tosco. E, é verdade, da mesma forma que algumas lideranças religiosas podem, através de discursos de intolerância, armar pessoas comuns para agir contra inocentes em casos de homofobia, machismo, entre outros, o mesmo pode ocorrer contra jornalistas – reservadas as devidas proporções. Nas manifestações do ano passado, cansei de explicar para manifestantes que não é na porrada louca que eles iriam democratizar a comunicação.

Enfim, espero que os perpetradores desse crime tenham seu julgamento justo e sejam punidos conforme a lei.

Mas tem o outro lado. A maior parte das instituições do Estado brasileiro não dão a mínima se um jornalista é ferido ou morre. Pelo contrário, levantamento da própria Abraji mostra que a maior parte dos casos de violência em manifestações no ano passado foram levados a cabo por policiais, que sabem muito bem o que estavam fazendo. Atuaram dessa forma para calar o jornalista ou com raiva dele. Portanto, repito o que já disse antes: o Estado é sim responsável nessa história toda por deixar que um clima de guerra se instalasse.

Em outras profissões, teríamos protestos ou uma ação coletiva mais forte para alterar o curso do que está acontecendo – jornalistas feridos, jornalistas mortos, uso político de tudo isso. Talvez até cruzaríamos os braços. Mas abaixamos a cabeça, esperamos que nos digam o que fazer e torcemos para que, na próxima vez, não seja conosco – assumindo o mesmo padrão que adotamos quando uma demissão coletiva assola um veículo de comunicação.

Será que realmente nos consideramos melhores do que os outros trabalhadores? Ou, quiçá, nos sentimos travestidos de alguma estúpida missão, flanando acima do bem e do mal, fazendo de conta que não é com a gente?

A história de Santiago não será esquecida tão rapidamente. Temos um senso corporativista forte. Mas, em algum momento, ela se transformará em uma vaga lembrança para a maioria de nós.

Punir os responsáveis é fundamental. Mas o ataque à impunidade sozinho não vai resolver a questão de como a imprensa é vista ou tratada, pela sociedade ou pelo Estado. Para isso, precisamos também rever nosso próprio comportamento e constatar se fazemos parte desse tecido social ou se acreditamos no mito bobo do “observador independente e imparcial”? Então, abrir um diálogo honesto.

Uma imprensa – convencional ou alternativa – que seja a primeira a ser protegida em caso de confronto, por parte de manifestantes e de policiais, seria o único epitáfio aceitável para essa história.

Em tempo: o nome do rapaz era Douglas Martins Rodrigues. E ele tinha 17 anos.

Fonte: UOL

 

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