Enchentes: A hora da verdade

No caso das enchentes, há um bloqueio da opinião pública quanto a medidas fora daquilo que o senso comum considera razoável

 

ENCHENTES e desabamentos de morros monopolizam o noticiário. São cenas recorrentes em todos os verões, agravadas agora pelas transformações ambientais e pelo acúmulo de pessoas sem condições de morar em lugares adequados.

Recorrentes também são as críticas da oposição e as justificativas dos governos. Contudo, ambas apresentam as mesmas propostas: remoção de populações, auxílio monetário para alojamento, verbas para afundamento da calha dos rios, obras de proteção de encostas. Paliativos logo esquecidos.

O diagnóstico do problema é simples: “alagamentos decorrem da ocupação do leito dos rios; desabamentos, da ocupação de terrenos impróprios para a construção de casas. Só que não há nada a fazer, porque obviamente não é possível desocupar as casas nas áreas de risco nem construir outras para todos os moradores ameaçados. O custo ultrapassaria o limite do possível”.

Resposta padrão, repetida monotonamente para todos os demais problemas do país: violência nas favelas e morros, situação dos presos, abandono dos menores, fracasso do sistema educativo etc.

Resposta que revela a incapacidade das classes dominantes de resolver qualquer problema que implique a restrição de seus privilégios.

Mais grave, porém, é o bloqueio da opinião pública a respeito de qualquer medida fora daquilo que o senso comum considera razoável. Qualquer proposta que saia desse script é logo descartada por reducionista, propagandística, radical.

Num quadro desse tipo, não haverá possibilidade de solucionar o problema das enchentes e dos desabamentos, bem como todos os outros graves problemas que caracterizam a situação de barbárie social em que se encontra o país.

É indispensável, por isso, enfrentar esse bloqueio e propor as soluções efetivas dos problemas nacionais, ainda que, num primeiro momento, elas possam não ser entendidas pela maioria do eleitorado.

Por exemplo: no caso das enchentes, é preciso propor a desocupação da calha dos rios.

No caso das favelas, é preciso propor o adensamento da malha urbana, com a construção de edifícios para abrigar a população das áreas impróprias nas zonas centrais das cidades, perto de seus locais de trabalho.

Mas atenção! Primeiro proporcionar habitações aos moradores dessas áreas de risco, depois efetuar a operação de devolução do leito e das encostas à natureza. Novamente, atenção! Não apenas os moradores devem sair. Empresas como a Bauduco, a Votorantim e várias outras que se estabeleceram nessas várzeas também devem ser retiradas desses lugares.

Mas e o dinheiro para isso? O dinheiro virá das mesmas fontes que irrigaram o sistema financeiro para evitar o colapso dos bancos e para premiar especuladores.

Uma população condicionada ao conformismo não se arrisca a exigir seu direito nem consegue solidarizar-se com os demais para enfrentar coletivamente a dominação.

Caio Prado Jr. e Celso Furtado mencionaram várias vezes que o maior problema brasileiro era a ignorância acerca de suas limitações e de suas possibilidades. Por isso, alimenta ilusões de grandezas que não tem e descarta as ações que estão dentro das suas possibilidades.

Dispomos de todos os recursos necessários para resolver o nosso gravíssimo problema social. Mas, como esses mesmos autores esclareceram, a decisão de resolver os problemas implica o enfrentamento com adversários externos e internos e, consequentemente, o risco de sofrer retaliações.

É o preço da independência. Um povo que descarte essa hipótese, na verdade, não a merece.

Fonte: Folha de S.Paulo

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