Entidades discutem laicidade do Estado e comunicação pública

Debate foi aberto após proposta do vereador Walter Cavalcante (PMDB) para permitir a exibição de missas e cultos religiosos aos domingos na TV Fortaleza, veículo oficial da Câmara Municipal da capital cearense

Por: Laryssa Praciano

No fim do ano passado, ainda durante a escolha da nova mesa diretora da Câmara Municipal de Fortaleza (CE), o vereador Walter Cavalcante (PMDB), então candidato, lançou uma de suas propostas de campanha: a exibição de missas e cultos aos domingos na TV Fortaleza – televisão oficial da Câmara Municipal da capital cearense.

Passada a eleição e confirmada a condução de Walter à presidência da Casa, a proposta ganhou corpo. O vereador Elpídio Nogueira (PSB), primeiro secretário da mesa diretora da Câmara, argumenta que a ideia surgiu porque a “televisão [TV Fortaleza] tem espaço suficiente para abrirmos a grade de programação para transmitir atividades religiosas”. Elpídio afirmou que levará a proposta para reunião da mesa diretora ainda nesta semana. Segundo o vereador, se dependesse dele “já tínhamos começado a exibir, abrindo para todos os segmentos”.

Apesar de polêmica, a proposta – que não precisa passar pelo plenário da Câmara porque a TV Fortaleza é vinculada diretamente à presidência da Casa -, ainda não chegou aos gabinetes dos vereadores. É o que afirma o líder do Partido dos Trabalhadores (PT) na Câmara, o vereador Deodato Ramalho. Além disso, mesmo com a pressa da mesa diretora, a sociedade civil cobra a abertura do debate público sobre a TV Fortaleza.

Estado laico e a diversidade religiosa

A proposta trouxe à tona a discussão sobre a laicidade do Estado. Segundo a Constituição Federal de 1988, no artigo 19, inciso I, “é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal a os Municípios estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma de lei, a colaboração de interesse público”.

Contrariando o estabelecido pela Carta Magna, contudo, o sistema de comunicação brasileiro registra um grande número de transmissões de programas religiosos por redes e emissoras de TV. Além disso, muitas concessionárias, tanto de rádio como de TV, são igrejas – número que tem crescido vertiginosamente, conforme aponta pesquisa realizada, em 2007, pelo professor da Universidade de Brasília, Venício Lima (veja estudo completo).

Para o vereador Deodato Ramalho (PT), além de o Estado ser laico, “nós somos um país de múltiplas crenças religiosas”, diversidade que deveria estar exposta também nos meios de comunicação. O problema, segundo o vereador, também é operacional, “porque se a TV pública for abrir esse espaço para uma religião, evidentemente vai ter que abrir para todas. E isso, operacionalmente é inviável”.

Já para Elpídio, deve-se pensar na proporcionalidade de acordo com o maior número de adeptos a cada religião: “a ideia é estar aberto para todos os segmentos religiosos. Todos, sem exceção, mas respeitando aqueles que têm o maior número de adeptos. Enfim, para que tenha a proporcionalidade também”.

Comunicação pública em xeque

Problematizado pela proposta, o papel de uma TV pública passou a ser discutido com mais força na cidade. De acordo com Lorrayne Santos, integrante da Marcha Mundial das Mulheres do Ceará, é urgente a busca por uma comunicação com pluralidade. “Essa comunicação que tenha como princípio a informação e a transparência, distante do terreno meramente administrativo e político eleitoral, com uma efetiva participação do cidadão na esfera pública é uma meta, mas ainda longe de ser alcançada”, afirma.

Para as organizações que estão discutindo a questão, a comunicação pública não deve ser usada como forma de garantir o proselitismo religioso. Ao privilegiar segmentos religiosos, o Estado deixa de lado seu caráter laico e estimula uma cultura de intolerância e violação de direitos. Em nota, 57 entidades defendem que a discussão sobre o que é veiculado na TV Fortaleza deve ser feito de forma ampla e acessível a qualquer cidadão (confira a íntegra da nota).

Exemplo da EBC

No Brasil, um exemplo de discussão parecido ocorreu a partir do caso da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), em 2010. Com o entendimento de que a emissora pública não poderia conceder espaços ao proselitismo, seja de qualquer religião, a empresa retirou os programas religiosos que eram transmitidos na grade de programação pela TV Brasil e por suas rádios. O Conselho Curador da EBC, por meio de consulta pública para recolher contribuições da sociedade civil sobre a política de produção e distribuição de conteúdos de cunho religioso através de seus veículos, recebeu uma sugestão da Câmara de Educação, Cultura, Ciência e Meio Ambiente do órgão que propôs a substituição dos programas que exibiam missas e cultos por outros sobre o fenômeno da religiosidade no Brasil.

 

 

Fonte: Brasil de Fato 

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