Embranqueceram o Carnaval

A festa carioca carece de presença mais efetiva daquele que o forjou, o povo negro do Rio

por Leandro Uchoas, 

“Kambilistas” no Rio, gravura de Jean Baptiste Drebet, do século XIX

O batuque das escolas e blocos ainda encanta, ano após ano, milhares de foliões. A dança peculiar dos homens e mulheres, a pujança das fantasias na avenida e nas ruas, e o sorriso no rosto dos participantes da festa não deixam dúvidas: o Carnaval ainda é uma festa singular, expressão das mais importantes da cultura brasileira. E é inegável que no Rio de Janeiro, a participação aumenta a cada ano.

Porém, também é inquestionável que, cada vez mais, o principal festejo brasileiro muda sensivelmente. No Rio, a mudança mais visível talvez seja o aumento dos blocos em que o principal estilo musical não é o samba. Uma diferença do Carnaval dos dias de hoje, no entanto, intriga e preocupa os amantes da festa: a diminuição da participação de negros.

Há uma polêmica histórica no que diz respeito ao samba. Oficialmente, ele teria surgido na Bahia. Mas há os que afirmam ser o Rio de Janeiro seu local de nascimento. Não há dúvidas, no entanto, de que o Carnaval é uma expressão cultural construída a partir de referências afrobrasileiras. E tanto os blocos de rua quanto o desfile das escolas na Marquês de Sapucaí, por mais que tenham se desenvolvido, tem raiz nessas expressões culturais. A diminuição da participação dos negros, portanto, incomoda, e leva a questionamentos quanto às suas causas.

No desfile das escolas, há polêmica se realmente a participação tem diminuído. Os que acusam de redução sempre apontam a profissionalização do Carnaval como causa. O presidente da Imperatriz Leopoldinense, Luizinho Drummond, chegou a afirmar que o avanço das igrejas evangélicas e do funk estariam retirando os negros do samba.

Presidente da Associação dos Profissionais e Amigos do Funk (Apafunk), MC Leonardo, relativiza. “O negro é sempre sambista. Antes de ser funkeiro, é sambista. Antes de ser religioso, é sambista. Mas hoje, infelizmente, é o funk que fala da realidade do negro. E é o funk que cabe no bolso dele”, diz. Para ele, é a mercantilização dos desfiles, com temas distantes da realidade popular – porque tem relação com os patrocinadores –, os interesses da TV, e as negociatas, que inviabilizam a participação dos negros.

“A mercantilização do Carnaval excluiu o negro. Esses enredos comprados, sem relação com a comunidade. O negro não se identifica, nem pode pagar. Escolas como Portela, Imperatriz e Vila Isabel já correram atrás de negros para os desfiles”, afirma MC Leonardo. No ano passado, a Vila Isabel – campeã de 2013 – teve como tema Angola, e teve que se desdobrar para garantir a hegemonia dos negros.

O pesquisador Luiz Antônio Simas, especialista em Carnaval, discorda. Para ele, a ausência de negros nos desfiles foi muito maior nos anos 1980 e 1990, quando era mais fácil para os turistas, segundo diz, “comprar” sua participação no Carnaval. Escolas como Beija Flor e Vila Isabel privilegiam a participação dos moradores de comunidade, onde predominam os negros. Ele considera apenas que o avanço das religiões neopentecostais prejudica a composição de setores como a tradicional ala de baianas, devido ao preconceito contra referências afrobrasileiras.

Simas, no entanto, concorda que o Carnaval de rua esteja vivendo um processo acelerado de mercantilização e mudanças que pode ser prejudicial à participação dos negros. “A gente vê acordos com rede de TV, com patrocinadores, para aumentar os recursos, elitizando a participação. Há, por consequência, um refluxo das camadas populares. E, como nestes setores sociais há predominância do negro, este acaba participando menos”, afirma.

Dentre os 483 blocos de rua, a maioria ainda fica na zona sul, região mais rica da cidade. A quantidade de turistas cresce a cada ano, e a busca da direção dos blocos por apoio de empresas tornou-se padrão. Embora seja difícil quantificar, é visível a ausência de negros nos blocos mais famosos.

Há os que defendem uma iniciativa da Prefeitura, no sentido de estimular os blocos de rua das zonas norte e oeste. E em relação ao desfile das escolas, defende-se uma regulação maior – um exemplo seria a proibição do repasse de recursos da Prefeitura para escolas que já tenham captado no setor privado. Fato é que um país não tem o direito de deixar de fora de sua principal festa os próprios idealizadores dela.

 

Fonte: Brasil de Fato

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