Pois, quis Olorum que a humanidade nascesse na África e assim foi.
Assim é, e assim será.
Da FEPAL
Ìyá Sandrali de Òsún, é o nome mítico social de Sandrali de Campos Bueno, ìyálorisá, dirigente da Comunidade de Tradição de Matriz Africana “Sociedade Afro-brasileira “Ilê Àsé Orisá Yemanjá”, Batuque do Rio Grande do Sul, em Pelotas. Psicóloga formada pela UNISINOS, em 1984, especialista em Criminologia pela PUCRS, cujo trabalho de conclusão aborda o confinamento como o silencioso poder de punir. Servidora pública há 45 anos. Psicóloga da Fundação de Atendimento Sócio Educativo do Rio Grande do Sul- FASE/RS. Experiência compartilhada no atendimento a adolescentes em conflito com a lei e em situação de vulnerabilidade social e pessoal, desde 1969 tendo vivenciado no corpo e na alma, várias situações de avanços e retrocessos. Foi a primeira mulher a dirigir o então Instituto Central de Menores, no período de 1987 a 1989. Dirigiu o Albergue “Ingá Britta”, destinado ao acolhimento de meninos e meninas em situação de extrema vulnerabilidade social e pessoal. Presidente do Movimento Assistencial de Porto Alegre, extinto MAPA no período de 1992 a 1993 quando assessorou a implantação da política pública de atendimento às crianças e aos adolescentes em situação de vulnerabilidade social e pessoal no município de Porto Alegre. Foi protagonista e a primeira secretária do Conselho Municipal Contra as Violências e a Todas as Formas de Discriminações, criado em 1993. Militante social em constante movimento tem experiência no trabalho com mulheres vítimas de maus tratos e abusos tanto no âmbito doméstico quanto nas relações de trabalho e convivência social, desde 1988. Atua em defesa dos direitos humanos, na defesa da laicidade do estado e na luta contra a intolerância religiosa e no combate ao racismo institucional, através de ações que afirmam a dignidade existencial do Ser Pessoa enquanto propositor de seu próprio corpo como fazendo parte de um único eixo existencial. Atualmente exerce a função de Secretária executiva do Conselho do Povo de Terreiro do Estado do Rio Grande do Sul, única instância com esta característica no país.
1- Poderia definir o conceito de branquitude?
2- O enfrentamento à hegemonia do poder da branquitude é uma realidade praticada na América Latina?
3- Quais as semelhanças e diferenças que você apontaria entre o Brasil e o restante da América Latina no que tange à questão do racismo?
4- Como você entende a postura de negação do racismo tão presente no Brasil?
5- As sociedades psicanalíticas são majoritariamente compostas por pessoas brancas. Qual a sua análise a respeito desta situação? E, na outra ponta, por que os afrodescendentes raramente procuram o tratamento psicanalítico?
As sociedades psicanalíticas estruturalmente seguem o padrão da elite intelectual das sociedades modernas e pós-modernas, pois desde seu nascedouro seguem a construção sócio histórica e cultural cujos privilégios se consubstanciam na tese da supremacia branca em todos os aspectos que permeiam a sociedade humana, desconsiderando as contribuições das civilizações originárias e tradicionais como sendo as fontes do conhecimento. Com isso perde-se uma riqueza imensurável na configuração da humanidade e na ressignificação das relações e das singularidades na construção das subjetividades. Entendo esse aspecto como uma hipocrisia intelectual. Por outro lado, a procura do tratamento psicanalítico ainda está reservado como cota cem por cento branca e elitizada. Se o tratamento psicanalítico fosse considerado uma política pública, por exemplo, inserido no Sistema Único de Saúde, a procura deixaria de ser símbolo de um privilégio afeto a quem tem dinheiro e faz cinco refeições por dia sem se preocupar com a dispensa de horário e a perda de emprego.
6- Sabemos que a invisibilidade e a desubjetivação da pessoa negra geram adoecimentos físicos e psíquicos, traumas não elaborados, além de outras dificuldades observáveis a partir de nossa construção social cujo poder é majoritariamente branco. Na sua opinião, como a psicanálise pode ajudar na mudança deste quadro?
– O aprofundamento dos estudos do cotidiano das relações raciais na sociedade brasileira, sobretudo no enfoque da hierarquização dos pressupostos civilizatórios que permeiam a constituição do povo brasileiro;
– Mudança no esquema de supressão intelectual nas academias e grupos de estudo no que se refere à população negra;
– Inserção de brechas nas sociedades psicanalíticas onde possa ser buscado possibilidades e intervenções no sentido de desconstrução do racismo através da conscientização de processos analíticos a partir da identificação dos privilégios da branquitude.