Entrevista – Jurema Werneck: Racismo é maior obstáculo para efetivação da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra

A luta pela garantia do direito humano à saúde pública de qualidade para brasileiras e brasileiros, sobretudo negras e negros mais vulneráveis às iniqüidades e às violações, é um ideal diário na vida de Jurema Werneck. Além de ser coordenadora da ONG Criola, pesquisadora e Conselheira Nacional de Saúde, a médica passou a ter na sua história de militância pró-saúde pública, o fato de ser a primeira mulher negra a coordenar uma Conferência Nacional de Saúde, neste caso, a 14ª edição iniciada na quarta-feira (30), em Brasília. Em entrevista para o UNFPA, Fundo de População das Nações Unidas, que apóia a Mobilização Nacional Pró-Saúde da População Negra, no âmbito do Programa Interagencial de Gênero, Raça e Etnia, Werneck contou os obstáculos que ainda precisam ser superados pelo Sistema Único de Saúde e a sua rede de serviços, em destaque, o Racismo Institucional, considerado o problema mais grave. A Conselheira enfatizou ainda o fato da 14ª CNS “dar voz aos grupos sociais que foram, durante um bom tempo, excluídos dos processos de conferência”. Confira a entrevista!

UNFPA – Mais de 4370 conferências municipais e estaduais, muitos usuários e usuárias, gestoras e gestores, trabalhadoras e trabalhadores… Inúmeras propostas e recomendações. Mas, como fazer da 14ª Conferência Nacional de Saúde um marco efetivo na consolidação do Sistema Único de Saúde (SUS)?

Jurema Werneck – A consolidação do SUS possui várias marcas e vários marcos. E eu acho que de certa forma, essa conferencia tem sido um marco e tem tido um grau de efetividade. Eu dou o exemplo, a 8a Conferência Nacional de Saúde definiu todos os caminhos que nós percorremos até aqui, a parte que pode ser chamada de ciclo virtuoso de Sistema Único de Saúde foi deliberada nessa Conferência. É claro que daí em diante teve a oposição, o descumprimento, as exigências que acabaram esvaziando alguns daqueles conteúdos. Essa 14a Conferência também vai ser um marco de toda uma perspectiva, porque a 8a Conferência focava o Sistema de saúde brasileiro, como sistema unico, integrado, capaz de atender a todos e todas, a 14a Conferência traz um diferencial que é a voz que se dá a novos sujeitos, que integram grupos que foram, durante bom tempo, excluídos dos processos de Conferência. A gente sempre teve exemplos de trabalhadores, gestores, prestadores e usuários, mas na maior parte das vezes, estes grupos eram representados pela chamada elite da sociedade. Na 14ª a gente tem expressões de todos os grupos que compõem a população brasileira. Nós temos usuários, prestadores, trabalhadores e gestores, mas nós temos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, quebradeiras de coco, trabalhadores rurais, transexuais, travestis, movimento negro, movimento de mulheres presente em todas as questões de diversidade, temos o movimento de luta pela terra, o movimento de luta pela moradia, população que vive na rua, elite brasileira, gente de tudo quanto é tipo. A gente espera que o marco dessa Conferência seja o da equidade, da efetiva presença dos diferentes sujeitos, garantindo então direito a saúde igual para todo mundo.

UNFPA – Sua história de militância é antiga: movimento estudantil, movimento de mulheres negras, ativismo nacional e internacional. O que significa para a sociedade brasileira e para o movimento pró-saúde publica ter uma mulher negra na coordenação da 14ª Conferência Nacional de Saúde?

É só possível ter uma mulher negra na coordenação da Conferência porque os movimentos lutaram e conseguiram espaço na sociedade. A minha presença na coordenação é resultado de uma luta vitoriosa. A gente tem visto aqui no cotidiano, desde que foi aberta, eu estou sendo abordada por todos e todas, particularmente negros e negras, que estão com orgulho de ter pela primeira vez uma mulher negra na coordenação da Conferência de saúde, pois raras são as vezes que temos uma mulher negra numa posição dessas em qualquer Conferência que a gente tenha no Brasil. Para essas pessoas tem sido um orgulho e estão com gás para expandir e conquistar outros lugares.

UNFPA – Negras e negros, historicamente, militam no campo da saúde. Nas conferências anteriores foram inúmeras as deliberações relacionadas a saúde da população negra. Vários ministros da saúde tiveram falas públicas reconhecendo que há racismo no SUS. Em sua opinião quais são os obstáculos para que seja implantada a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra como mais uma possibilidade do SUS ser, efetivamente, para todas e todos, com qualidade?

O obstáculo para a efetivação da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra é o obstáculo que provocou a criação da Política. O obstáculo é o racismo e no caso da gestão e do trabalho em saúde é o racismo institucional. O racismo não acabou na sociedade brasileira. Nós ainda somos violentamente racistas e excludentes. E enquanto o racismo não acabar a efetivação vai ser sempre precária. Por outro lado falta também a competência de gestão e competência entre trabalhadores para desenvolver as técnicas, procedimentos, as situações capazes de superar o racismo que ainda existe. Então o obstáculo é esse, primeiro o racismo, depois a competência. A gente já tem uma vantagem porque os atores e atrizes negros e negras estão muito próximos da gestão e do trabalho qualificado para ajudá-los a superar essa limitação, essa falta competência que ainda tem. Nossa luta é pra que cumpram a política, cumpram a lei e reconheçam que estamos aqui para colaborar com o trabalho deles, que é fazer efetivamente realizar nosso direito a saúde.

Fonte: Mobilização Nacional Pró Saúde da População Negra

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